quinta-feira, outubro 30, 2008

imigrantes para que vos quero

quarta-feira, outubro 29, 2008

sustentável leveza

Com o desejo da bonança que sucedesse à tempestade financeira, o corretor sentado no banco de jardim constatava finalmente o erro de ignorar a natureza e o curso próprio das coisas e estabelecer futuros mais longe que a meteorologia. A partir de agora, previsões confiáveis só a três dias.

domingo, outubro 26, 2008

quarentenne

Caro Diario (Nanni Moretti, 1993)
"Mas que aconteceu estes anos todos? Digam-me vocês. Eu já não sei ■ Começam a branquear-te as têmporas ■ A pesar as derrotas ■ Uma série ininterrupta de derrotas ■ A nossa geração... Em que nos tornámos nós? ■ Tornámo-nos publicitários, arquitectos, corretores de bolsa, deputados, assessores, jornalistas. ■ Mudámos tanto, piorámos todos ■ Hoje somos todos cúmplices ■ Todos, como? Que mania de nos achar todos cúmplices... ■ Quando foi a última vez que fomos dar um passeio? ■ Nós agora só continuamos juntos por hábito ■ Tu tens vergonha de mim... Que dor de cabeça. Nem sequer os Optalidons são os mesmos ■ Lembras-te do tilintar acalmante dos antigos tubos? ■ Agora tudo mudou, está tudo verdadeiramente mudado ■ Sabes uma coisa António? Tu pioraste, sim; já não consegues sentir um sentimento autêntico ■ Estamos envelhecidos, azedos, desonestos no nosso trabalho ■ Gritámos coisas medonhas e violentas nas nossas manifestações ■ E vejam como nos tornámos todos tão feios ■ Vocês gritavam coisas medonhas e violentas e vocês tornaram-se feios. Eu cá gritava coisas certas e sou um esplêndido quarentão."

segunda-feira, outubro 20, 2008

hunger

Hunger, de Steve McQueen (2008) - DocLisboa 2008
Steve McQueen disse pretender captar "como seria ouvir, ver, cheirar e tocar as celas onde os prisioneiros do IRA se encontravam encarcerados em 1981, coisas que não podiam ser encontradas nos livros ou em arquivos". O resultado é de uma crueza esmagadora. Como num beco sem saída, o filme empurra-nos contra a cadeira e trespassa-nos lentamente, sem impasse ou hesitação. Há nele um impiedoso exercício do tempo (o tempo real da limpeza do corredor das celas, do definhar do corpo em resultado da fome ou dos espancamentos intermináveis), que retrata a duração longa da privação e da determinação. E um exercício obsessivo da proximidade (a abundância dos grandes planos sobre detalhes ou gestos simples: o abotoar de uma camisa, o cigarro a fumegar num cinzeiro, as paredes demoradamente inenarráveis, o rastrear do tecto com o olhar, o pormenor de uma ferida, o floco de neve que se derrete no nó de um dedo, o silêncio).
Entre os dilemas dos meios e escolhas de luta, ou dos sentimentos sofridamente desorientados de alguns guardas, emerge fria, implacável e monolítica a repressão do Estado, em toda a sua intemporal crueldade. Os acontecimentos remontam a 1981, na Her Majesty's Prison Maze, em Long Kesh, perto de Belfast. Mas podia igualmente tratar-se de Abu Ghraib, a 20 milhas de Bagdad, nos alvores do século XXI.

sexta-feira, outubro 17, 2008

krugman e as cidades

"Promover a identidade cultural e económica de uma cidade ajuda se se conseguir vender a cidade como um bom sítio para viver e visitar, tornando-a num bom local para fazer turismo, mas também para localizar um negócio."

(Numa entrevista em 2004 ao Semanário Económico, citada aqui)

quinta-feira, outubro 16, 2008

songs for the season

Crises (Mike Oldfield, 1983)
Crises! Crises!You can't get away!Crises! Crises!You can't get away!Crises! Crises!I need you on my side 'cause there's a crisesYou can't get away!Crises! Crises!You can't get away!Crises! Crises!You can't get away!Crises! Crises!I need you on my side 'cause there's a crisesYou can't get away!

quarta-feira, outubro 15, 2008

debate

Silva Lopes ■ Paulo Trigo Pereira ■ José Reis ■ Vítor Neves ■ José Castro Caldas
"Uma crise financeira que da noite para o dia faz desaparecer da superfície global da terra alguns dos maiores bancos e companhias de seguros tem como resposta o que até há pouco era impossível: uma intervenção massiva do Estado que inclui a nacionalização.
O que significa esta viragem? Uma resposta de emergência a reverter na fase de rescaldo ou o reconhecimento do fracasso da finança de mercado? Uma massiva apropriação privada de recursos públicos ou o regresso a modelos de finança abrigados de dinâmicas especulativas?
O Estado vem para ficar e reassumir responsabilidades de coordenação económica - como actor - ou está apenas a acorrer ao pânico para recuar de novo - como bombeiro?
O que estamos a aprender com tudo isto? O que vamos ensinar nas Faculdades de Economia?"
Auditório da FEUC - Coimbra - 15 de Outubro

terça-feira, outubro 14, 2008

a insustentável felicidade do campo

Bienvenue chez les Ch'tis (Bem-vindo ao Norte, de Dany Boon, 2008)
Ou uma versão francesa de Aquele querido mês de Agosto, apesar de bastante mais ficcional, etnográfica e dependente de clichés. A ronda do correio, percorrida a goles de álcool impossíveis de recusar, sela com uma alegria transbordante, simples e efémera a amizade entre o chefe do posto e o carteiro, fazendo lembrar janeiras ou imprevisíveis rondas nocturnas nas aldeias do interior, inevitavelmente alheias aos estados do mundo, crises políticas ou colapsos financeiros.

domingo, outubro 12, 2008

breve história do tempo

"O liberalismo é um fenómeno multidimensional. Na esfera política, é hoje um património partilhado por todos os democratas, da direita à esquerda: a ideia do governo representativo, responsável perante um parlamento, e fiscalizado por vários órgãos através do sistema de checks and balances. Na arena sociocultural, o liberalismo está até mais frequentemente associado à esquerda (liberalização do aborto, casamento homossexual, etc.). Na esfera económica, o liberalismo costumava estar mais associado à direita: a crença no mercado como a forma mais eficiente de alocação de recursos e o cepticismo quanto ao papel do Estado. Com a "Grande Depressão" verificou-se à exaustão que o mercado só por si é incapaz de se auto-regular e que, por isso mesmo, é necessária e benéfica a acção do Estado para corrigir as ineficiências do mercado e para a provisão de certos bens públicos essenciais (saúde, educação, segurança social, etc.). Seguiu-se a era do "capitalismo regulado", do New Deal, do "consenso keynesiano": foram três décadas de enorme prosperidade. Com o declínio das taxas de lucro, agravado pelos choques petrolíferos (e a inflação gerada por essa via), veio a crise do "capitalismo regulado" e aquilo a que os especialistas convencionaram chamar a fase do "capitalismo desregulado" ou "neoliberal". Repescaram-se as ideias fortes do liberalismo económico e atacaram-se as ideias e políticas centrais da era keynesiana. Os primeiros experimentos renegaram por completo o liberalismo político: aplicando as doutrinas económicas da escola de Chicago, o tiro de partida foi dado no Chile de Pinochet (1973) e na Argentina de Videla (1976), ambos generais golpistas que derrubaram regimes democráticos. Seguiram-se os governos de Thatcher, em 1979, e de Reagan, 1980. O novo consenso neoliberal seria consagrado no chamado "consenso de Washington" e imposto a nível mundial pelas várias organizações dominadas, sobretudo, pelos americanos e ingleses (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, OCDE), nomeadamente através dos programas de austeridade e de liberalização dos mercados (de capitais, etc.) que os países em dificuldades eram obrigados a cumprir.Além das várias crises já relatadas, cerca de 30 anos passados sobre o início da era do capitalismo neoliberal, há hoje evidência de que, excepto nalgumas regiões da Ásia (onde o liberalismo económico foi sempre bastante mitigado pela acção do Estado), as taxas de crescimento económico nas várias regiões do globo foram bastante superiores na era do "capitalismo regulado" do que na do "capitalismo neoliberal"."

(Do artigo de André Freire, no Público de 29 de Setembro)

sábado, outubro 11, 2008

intimidade

O estabelecimento comercial onde costumo ir cortar o cabelo enviou-me um sms com a promessa de uma prenda, cujo nome técnico é "ch-mass-brushing", caso lhes faça uma visita no dia dos meus anos. Até seria muito um gesto muito estimável, se fossemos íntimos ao ponto de nao haver nenhum problema em que eu levantasse o presente num dia qualquer.

quinta-feira, outubro 09, 2008

socialismo rebelo de sousa

"Quer dizer que o Grupo Parlamentar do PS é a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo... ■ Sim, o PS defende intransigentemente a igualdade dos direitos expressos na constituição e não põe em causa o conteúdo programático dos diplomas que irão a votos amanhã, posicionando-se a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexoVão portanto votar favoravelmente as propostas que pretendem legislar nesse sentido? ■ Não! ■ Mas são a favor do conteúdo desses diplomas... Sim! ■ Votam pois a favor... ■ Não! ■ Mas a JS não fez um cartaz em Julho a defender a igualdade de direitos para todos? ■ Sim ■ Então o seu grupo parlamentar votará favoravelmente... ■ Não ■ Mas é a favor? ■ Sim!"

terça-feira, outubro 07, 2008

três boas razões

No passado domingo, justificaram a compra do Público. A entrevista no jornal a Eduardo Lourenço (homenageado ontem e hoje num congresso internacional promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian); a viagem ao mundo de Maria José Morgado e Saldanha Sanches (pelo curioso exercício de narrar memórias impressivas de uma forma desprendida) e, também na Pública, o relato da visita realizada por Fernando Nobre a Chernobil, que os convertidos à energia nuclear (como Vítor Constâncio e Ângelo Correia) deveiam porventura ler atentamente.

segunda-feira, outubro 06, 2008

sit down stand up

Bonito bonito era ver, na votação do direito ao casamento de pessoas do mesmo sexo, no próximo dia 10 de Outubro, uma parte significativa da bancada do Partido Socialista a ter a coragem de fazer uma cena assim. Em nome das suas convicções, em nome da sua liberdade de consciência, em nome de uma democracia que não se deixa enredar em miseráveis lógicas de calculismo eleitoral e de protagonismo partidário.

sábado, outubro 04, 2008

os dois rostos

"A homossexualidade tem dois rostos na Igreja. Um é o do discurso oficial, que estigmatiza e culpabiliza. O segundo é o da "tolerância para com os casos concretos", com "compreensão" ou mesmo "compaixão". Rigidez nos princípios, compaixão perante os dramas. É uma táctica esperta: acerta-se sempre... Mas ele há outra coisa que não "casos concretos"? As pessoas são abstracções? E quantas vidas concretas se desgraçaram por causa da rigidez nos princípios abstractos?"

(Palombella Rossa, nos dias que correm)

quarta-feira, outubro 01, 2008

sabana santa

Auxiliado por uma colega, Benigno cuida de Alicia, numa luminosa manhã entre as muitas que fazem parte do seu sono profundo e aparentemente interminável. O corpo inerte é cuidadosamente lavado, seguindo a liturgia própria a um ritual sagrado, que prossegue com os movimentos necessários à mudança dos lençóis. A serenidade torna-se imponente, sendo cada vez mais difícil distinguir a fronteira comatosa que separa a vida da morte, um corpo sem alma do simples adormecimento. Não por acaso, a música que preenche estes momentos se chama sabana santa.