sexta-feira, outubro 03, 2003

plasma (imersão)

(David Sylvian, '"Fire in the Forest" Tour 2003' - Alte Oper Frankfurt (October, 1)

Um manto de luz azul desenha o vulto dos sintetizadores, aos quais se encontram ligados outros equipamentos, a maioria dos quais indecifráveis. À esquerda, a completar a disposição em triângulo, uma mesa de mistura de imagens e um computador portátil, com a iconográfica maça. Ao fundo uma tela gigante, também ela embebida no azul aguarela que tinge o palco. Contrastando com este cenário, uma guitarra acústica ocupa o centro. É nesta penumbra que entram Steve Jansen, David Sylvian e Masakatsu Takagi.
Sons invulgares e entrecortados invadem a sala. Uns espalham-se viscosamente. Outros irrompem e ausentam-se de forma igualmente súbita. Teclas evasivas, rasgos de guitarra desencadeados por sintetizadores e rugosidades digitais em abundante reverberação. Sente-se a crueza da não cedência absoluta a qualquer facilitismo ou tentação melódica. É quase uma certa repulsa que se instala, não fora uma espécie de magma subterrâneo, alimentado pela voz de Sylvian, a impedir que os sentidos se abstenham da atmosfera gradualmente criada.
No ecran, em sintonia com o suporte sonoro, uma sequência de imagens sugere o mergulho instrospectivo, ilustrado por gotículas de ar em imersão aquosa a atravessar texturas multicolores, numa metáfora do plasma de pensamentos e memórias.

i fall outside of her
she doesn't notice (...)
and mine is an empty bed
i think she's forgotten (...)
put the breaks on, put the breaks on
'cos I'm fading fast (...)
i'll keep my thoughts to myself
unless i'm asked (...)
like blemishes upon the skin
truth sets in


Sylvian olha para o interior de si próprio e para tudo o que alcança a partir daí. Intencionalmente só e desprendido de quaisquer laços que pudessem relativizar ou antenuar a frieza do percurso e o modo como enfrenta a realidade em que se move. A busca de sombras e de luzes, de vazios e plenitudes. Blemish é um acto de pensar íntimo, não se constrói para que as ideias se destinem a qualquer espécie de partilha.

plasma (missing worlds)

(David Sylvian, '"Fire in the Forest" Tour 2003' - Alte Oper Frankfurt (October, 1)
O sentir e expressar de mundos e afectos lembra o deambular das ondas. Emergem de onde em onde referências a vultos difusos, tal qual se inscrevem nas memórias, perdidos para sempre ou em oscilante presença e afastamento. Depois da imersão fica a suspensão do espaço e do tempo. O lugar de onde se percepciona tudo com uma perspectiva diferente. Os momentos tão breves e aparentemente banais quanto impressivos. Os pequenos gestos e detalhes. Nítido e inóquo. Autópsia da perda e anatomia da esperança. Observação contemplativa de tudo. Sem espaço para agir ou fazer um movimento que seja. Não é o momento, nem o contexto, nem a finalidade.

she was, she was
a friend of mine
do us a favor, your one and only warning
please be gonne by morning (...)
inconsistencies
words on papper
the track still warm (...)
and the mind's divisive
but the heart knows better (...)
oh, but nothing really matters in the end
and if everything still matters what then?

plasma (watching memories)

(David Sylvian, '"Fire in the Forest" Tour 2003' - Alte Oper Frankfurt (October, 1)
É impossível não lembrar o 'Until the End of the World' de Wim Wenders. Várias passagens o insinuam e o momento mais forte surge quando na tela se desenham, em movimentos livres e tons aguarela, crianças difusas a dançar em campos de verde baço ondulante. Neles se diluem por fragmentos de tempo imprecisos, como se o vento que agita a densidade verde amarelo dos campos fosse igual ao sopro simples da vida na infância. À aspereza dos primeiros temas sucede uma nostalgia em crescente aconchego e proximidade, que acompanha o refluxo das memórias feitas imagem, palavras e som. O isolamento e a perda soltam uma centelha de luz. Esperança ilusória ou realista, não importa. É vital para continuar.

oh here it comes my childhood
a penny for your secrets (...)
and the lights won't go out
the stars refuse to dim
and everything goes but not as before (...)
there is always sunshine
above the grey sky
i will try to find it
yes, i will try (...)
i would like to see you
it's lovely to see you
come and take me somewhere
come take me out