segunda-feira, outubro 20, 2008

hunger

Hunger, de Steve McQueen (2008) - DocLisboa 2008
Steve McQueen disse pretender captar "como seria ouvir, ver, cheirar e tocar as celas onde os prisioneiros do IRA se encontravam encarcerados em 1981, coisas que não podiam ser encontradas nos livros ou em arquivos". O resultado é de uma crueza esmagadora. Como num beco sem saída, o filme empurra-nos contra a cadeira e trespassa-nos lentamente, sem impasse ou hesitação. Há nele um impiedoso exercício do tempo (o tempo real da limpeza do corredor das celas, do definhar do corpo em resultado da fome ou dos espancamentos intermináveis), que retrata a duração longa da privação e da determinação. E um exercício obsessivo da proximidade (a abundância dos grandes planos sobre detalhes ou gestos simples: o abotoar de uma camisa, o cigarro a fumegar num cinzeiro, as paredes demoradamente inenarráveis, o rastrear do tecto com o olhar, o pormenor de uma ferida, o floco de neve que se derrete no nó de um dedo, o silêncio).
Entre os dilemas dos meios e escolhas de luta, ou dos sentimentos sofridamente desorientados de alguns guardas, emerge fria, implacável e monolítica a repressão do Estado, em toda a sua intemporal crueldade. Os acontecimentos remontam a 1981, na Her Majesty's Prison Maze, em Long Kesh, perto de Belfast. Mas podia igualmente tratar-se de Abu Ghraib, a 20 milhas de Bagdad, nos alvores do século XXI.