breve história do tempo
"O liberalismo é um fenómeno multidimensional. Na esfera política, é hoje um património partilhado por todos os democratas, da direita à esquerda: a ideia do governo representativo, responsável perante um parlamento, e fiscalizado por vários órgãos através do sistema de checks and balances. Na arena sociocultural, o liberalismo está até mais frequentemente associado à esquerda (liberalização do aborto, casamento homossexual, etc.). Na esfera económica, o liberalismo costumava estar mais associado à direita: a crença no mercado como a forma mais eficiente de alocação de recursos e o cepticismo quanto ao papel do Estado. Com a "Grande Depressão" verificou-se à exaustão que o mercado só por si é incapaz de se auto-regular e que, por isso mesmo, é necessária e benéfica a acção do Estado para corrigir as ineficiências do mercado e para a provisão de certos bens públicos essenciais (saúde, educação, segurança social, etc.). Seguiu-se a era do "capitalismo regulado", do New Deal, do "consenso keynesiano": foram três décadas de enorme prosperidade. Com o declínio das taxas de lucro, agravado pelos choques petrolíferos (e a inflação gerada por essa via), veio a crise do "capitalismo regulado" e aquilo a que os especialistas convencionaram chamar a fase do "capitalismo desregulado" ou "neoliberal". Repescaram-se as ideias fortes do liberalismo económico e atacaram-se as ideias e políticas centrais da era keynesiana. Os primeiros experimentos renegaram por completo o liberalismo político: aplicando as doutrinas económicas da escola de Chicago, o tiro de partida foi dado no Chile de Pinochet (1973) e na Argentina de Videla (1976), ambos generais golpistas que derrubaram regimes democráticos. Seguiram-se os governos de Thatcher, em 1979, e de Reagan, 1980. O novo consenso neoliberal seria consagrado no chamado "consenso de Washington" e imposto a nível mundial pelas várias organizações dominadas, sobretudo, pelos americanos e ingleses (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, OCDE), nomeadamente através dos programas de austeridade e de liberalização dos mercados (de capitais, etc.) que os países em dificuldades eram obrigados a cumprir.Além das várias crises já relatadas, cerca de 30 anos passados sobre o início da era do capitalismo neoliberal, há hoje evidência de que, excepto nalgumas regiões da Ásia (onde o liberalismo económico foi sempre bastante mitigado pela acção do Estado), as taxas de crescimento económico nas várias regiões do globo foram bastante superiores na era do "capitalismo regulado" do que na do "capitalismo neoliberal"."
(Do artigo de André Freire, no Público de 29 de Setembro)
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