quinta-feira, novembro 30, 2006

estado falhado

Precisava de uma revolução, completa e a sério, à boa maneira soviética. Mas nem uma ligeiríssima reforma pequeno-burguesa conseguia levar a cabo, por cosmética que fosse.

domingo, novembro 26, 2006

Ama como a estrada começa
Mário Cesariny
(1923-2006)

sexta-feira, novembro 24, 2006

fall again

(The Durutti Column, Amigos em Portugal, 1983)
"Música há como lugares de habitação e dormida. Música há como se trouxesse dentro arquitectura. As músicas modernas assemelham-se a certos edifícios. Mas a música dos Durutti Column é, e só pode ser isto, um pequeno mosteiro medieval. Mesmo ao centro, para quem entrar nele livremente, está a melodia, que é o jardim dos claustros. A paz e o sossego que a pedra protege é de paisagem sempre diferente. É uma música tranquila, resguardada e impossivelmente linda. A guitarra de Reilly fecha-se em ideias interiores de suaves melodias, e constrói paisagens de cartão-postal.
A música nunca foi tantas paisagens. Quadros platónicos e bucólicos, vastos jardins verdes, ininterruptos por excessos climatéricos. A guitarra vai pintando-os. Aqui o prado cheio de póneis brancos, ali uma pequena sebe de amoreiras, e além apenas os traços mais suaves do azul-cinzento do céu.Eis a natureza (estonteante acalmia) e eis os homens (terrível prepotência). Porque esta música não é uma coisa prosaica e ingénua. Aqui também há luta. O que é preciso é raspar levemente a superfície da pintura, para encontrar a sua base de tintas negras e feias, o seu medonho inconsciente. Não há beleza sem contraponto, nem harmonia sem contraste.
"
(Excertos 'livres' de: "Durutti Column: dum mosteiro e da sua música, tão bela como o silêncio", in: Miguel Esteves Cardoso, Escrítica Pop, 1983)

terça-feira, novembro 21, 2006

borda d'água

Em Novembro, há pelo menos duas maneiras de pressentir a aproximação do Natal. Basta notar a colocação de iluminações apagadas nas árvores e nas ruas, ou ouvir na televisão alguém dizer, numa voz que de tão cíclica já se tornou familiar, “Ambrósio, apetecia-me algo…”.

sábado, novembro 18, 2006

em nome da consciência (I)

Referendo pela despenalização do aborto

sexta-feira, novembro 17, 2006

intermitência

Era o copo de água de que se lembrava quando tinha sede, para colocar na prateleira depois de saciada. Era o livro de poemas, prosas, metáforas e provérbios, que ficava no sítio certo da estante, para quando as dúvidas ou o desalento tivessem lugar. Era o pensamento espaçado e intermitente, suspenso entre as rotinas circulares dos dias. O interruptor, o fio do autoclismo, a luz do frigorífico, a corda do sino, o gesto de abrir a janela, o puxar do estore, a célula fotoeléctrica. O raio de sol que de quando em quando rompia as nuvens, para ficar depois no além da penumbra opaca, como se afinal nem existisse.

quarta-feira, novembro 15, 2006

atmosphere

walk ..... in silence
don't walk away ..... in silence
see the danger ..... always danger
endless talking ..... life rebuilding
don't walk away
Joy Division, 1980 (fotografia adaptada do original de Charles Meecham)

segunda-feira, novembro 13, 2006

virar as páginas

Fez hoje uma semana que o mundo soube, pelos jornais, da condenação à morte de Saddam Hussein. Para noticiar o facto, vale a pena ver a opção de primeira página do Público desse dia, bem como a carta aberta ao Director José Manuel Fernandes sobre a escolha feita.
Saddam foi condenado à morte pelo massacre de mais de uma centena de xíitas na cidade de Dujail, em 1982. E vale por isso também a pena lembrar onde estava Donald Rumsfeld e o que eram nessa altura as relações entre a republicana administração dos EUA e o regime de Bagdad.
Quanto à sentença, tem razão o Daniel Oliveira quando refere (cito de memória o último "Eixo do Mal", na SIC) que assim se vê a forma como se cultivam os valores e a democracia ocidental no Médio Oriente. Aliás, talvez tenha sido apenas impressão minha, mas pareceu-me existir uma incompreensível tibieza e timidez no modo como muitos dos governos europeus condenaram a sentença. Seria o receio de que a reacção de veemente repúdio que se impunha fosse interpretada como apoio e desculpabilização do ditador? E não seria possível também, já agora, reservar umas sanções para países onde ainda vigora a pena de morte?

domingo, novembro 12, 2006

mailbox

O subject de um email enviado por um unknown sender dizia que "Alguém especial se lembrou de você". Mas nem isso impediu que a mensagem fosse parar direitinha à caixa de spam.

sexta-feira, novembro 10, 2006

quatro elementos

(Largo da Trindade, Lisboa 2006)

quarta-feira, novembro 08, 2006

boletim meteorológico

Olhava em frente, resignado mas firme. A inevitabilidade não lhe mergulhava apesar de tudo os olhos no chão. Nem que fosse pior, estava ali, viesse o que viesse ainda por diante.
- Há-de haver um sentido… Nada é por acaso, vais ver…
Não fazia naquele momento a mínima diferença. A resposta ao estímulo místico era dada com o olhar sem palavras a desviar-se para a janela, em jeito de recusa gentil da aspirina que há em pensar no desígnio insondável mas certeiro das coisas. Escrever direito por linhas tortas.
Chovia copiosamente. Continuava a chover copiosamente. A água escorria nos vidros amplos, sinuosa e livre, tanto quanto a janela lhe permitia. Havia gotas a estatelar-se ritmadamente no mármore do parapeito. Distinguiam-se, apesar do lastro de som deixado pelas rodas dos carros que passavam a espaços.
- É sempre uma aprendizagem, um aperfeiçoamento progressivo. Quem sabe não andamos em ciclos de existência até atingirmos o horizonte… Pode ser esse o sentido.
Sim, bem vistas as coisas está um belo e promissor dia de sol. Daqueles de Outono, dourados e cálidos. Há um céu azul que contrasta na perfeição com os tons luminosos dos prédios ao pôr-do-sol e o castanho das folhas graciosamente arrumadas ao longo do passeio. A natureza em renovação cíclica, quem sabe também ela na procura incessante de si mesma. Fez regressar o olhar ao rumo anterior:
- Tudo é único... Se eu acreditasse na reencarnação já me tinha suicidado várias vezes.

terça-feira, novembro 07, 2006

meu tempo é quando

Vinicius (2005), de Miguel Faria Jr.
(onde os depoimentos de Chico Buarque têm o mesmo tom afável e a alegria serena do recente concerto no Coliseu dos Recreios)
A
de manhã escureço ... de dia tardo ... de tarde anoiteço ... de noite ardo
a oeste a morte ... contra quem vivo ... do sul cativo ... o este é o meu norte
outros que contem ... passo por passo ... eu morro ontem
nasço amanhã ... ando onde há espaço ... meu tempo é quando
(Vinicius de Moraes, Poética (I), 1950)

quarta-feira, novembro 01, 2006

existência (I)

Sentia em certos momentos que vivia os dias como se lhe tivesse morrido a vida. Mesmo aquela que não chegara a viver.