sábado, outubro 28, 2006
sexta-feira, outubro 27, 2006
ornitologia
Já no liceu não tinha grande sorte. Quando serviam aquele frango assado, raramente lhe calhava uma coxa. Agora, nas mais recentes viagens aéreas, o azar parecia manter-se. Nas duas últimas calhou-lhe sempre a asa do avião.
quinta-feira, outubro 26, 2006
quarta-feira, outubro 25, 2006
ensaios sobre o pudor (I)
Devia ser somente mais um achaque das suas solidariedades inúteis e irracionais, mas - ao passar pelos musseques de blocos de cimento ou tijolo, cobertos de zinco, com charcos de esgoto a calcetar as "ruas" - sentia-se moralmente obrigado a preocupar-se, apenas na exacta medida das coisas, com a aplicação de repelente de insectos ou com os cuidados alimentares a ter.
Porque sentia náusea quando reparava em manifestações da ocidental obsessão com a saúde, as comodidades e o bem-estar, elevados ao nível da futilidade e do patético, e expressos no lamento por um sapatinho que se sujara de lama ou por um penteado que havia sido incomodado pelo vento e pelo pó.
Porque sentia náusea quando reparava em manifestações da ocidental obsessão com a saúde, as comodidades e o bem-estar, elevados ao nível da futilidade e do patético, e expressos no lamento por um sapatinho que se sujara de lama ou por um penteado que havia sido incomodado pelo vento e pelo pó.
terça-feira, outubro 24, 2006
segunda-feira, outubro 23, 2006
light
- Que vai desejar beber, senhor?
- Uma Cuca, por favor...
- Humm... Uma Cuca-Cola?
- Não, não... uma Cuca, cerveja.
- Uma Cuca, por favor...
- Humm... Uma Cuca-Cola?
- Não, não... uma Cuca, cerveja.
domingo, outubro 22, 2006
sábado, outubro 21, 2006
under african skies
(Ilha de Luanda, 2006)
Joseph's face was black as night ■ The pale yellow moon shone in his eyes ■ His path was marked ■ By the stars in the Southern Hemisphere ■ And he walked his days ■ Under African skies ■ This is the story of how we begin to remember ■ This is the powerful pulsing of love in the vein ■ After the dream of falling and calling your name out ■ These are the roots of rhythm ■ And the roots of rhythm remain
(Paul Simon, Graceland, 1986)
sexta-feira, outubro 20, 2006
pingo doce
Por motivos de ordem técnica alheios à nossa vontade, é-nos neste momento impossível transmitir uma lindíssima imagem da Baía de Luanda, conforme previsto na programação para hoje. Pedindo desculpas aos nossos estimados teleleitores, passamos a transmitir um post típico dos tempos de globalização. Trata-se de um (do)comentário sobre a música que se ouve recorrentemente em hotéis, restaurantes, elevadores, grandes e médias superfícies comerciais e outros espaços comuns em todos os recantos do mundo.
Feita de sequências intermináveis de covers delicodocemente elaborados a partir de melodias universalmente conhecidas (dos Beatles aos Abba, passado pelo Cat Stevens ou pela incontornável banda sonora do Titanic), a música pingo doce é das coisas mais insuportáveis que a espécie humana já decidiu inventar. Caracteriza-se por uns arranjos musicais perfeitinhos e harmoniosos, em que a voz é substituída por uma flauta estúpida ou por um clarinete idiota. Violinos ou teclas muito certinhos e adequados são impecavelmente dispostinhos como base de fundo, e não há paciência para suportar o resultado final.
Feita de sequências intermináveis de covers delicodocemente elaborados a partir de melodias universalmente conhecidas (dos Beatles aos Abba, passado pelo Cat Stevens ou pela incontornável banda sonora do Titanic), a música pingo doce é das coisas mais insuportáveis que a espécie humana já decidiu inventar. Caracteriza-se por uns arranjos musicais perfeitinhos e harmoniosos, em que a voz é substituída por uma flauta estúpida ou por um clarinete idiota. Violinos ou teclas muito certinhos e adequados são impecavelmente dispostinhos como base de fundo, e não há paciência para suportar o resultado final.
quarta-feira, outubro 18, 2006
o eixo do mal
Anda um mosquito a sobrevoar de forma ameaçadora o espaço aéreo do meu quarto, fazendo vôos rasantes sobre a cama. A prudência, as directivas europeias e a luta global contra o paludismo recomendariam que o esmagasse impiedosamente. Mas acho que a minha quota parte de remorso colonial me levou a optar por não o fazer. Afinal de contas a vida, em todas as suas formas, já se derramou demasiado nestas paragens.
terça-feira, outubro 17, 2006
segunda-feira, outubro 16, 2006
cinco sentidos
O primeiro impacto é literalmente atmosférico. O ar quente e palpável, denso de humidade, leva a considerar que seria impossível ficar a viver aqui. Depois entranha-se, torna-se familiar e respira connosco.
O segundo impacto chega com a paisagem, que lembra e confirma os fragmentos do puzzle de imagens mentais, mais ou menos eurocêntricos, que agora se juntam numa peça só, verdadeira e indivisível. O contraste é lapidar, talvez como nunca outrora. As marcas da destruição e da degradação, ainda bastante visíveis, convivem lado a lado com os sinais de renovação que brotam na cidade agitada de gente, vozes e trânsito.
Tudo isto não só se vê e sente como se cheira. Como se se pudesse ler tudo, as mesmas coisas, recorrendo de olhos fechados a uma outra linguagem. Do nauseabundo saneamento por vezes a céu aberto, ao aroma límpido e fresco dos espaços comuns do hotel, ou à vaga de maresia que o vento e a humidade trazem e que simultaneamente se mistura e distingue dos escapes de viaturas, indústrias e estaleiros. E, irrompendo de onde em onde, o aroma sincero dos temperos e da comida, umas vezes demasiado familiar e outras absolutamente novo e diferente. Para lembrar que se está no sul do mundo.
O segundo impacto chega com a paisagem, que lembra e confirma os fragmentos do puzzle de imagens mentais, mais ou menos eurocêntricos, que agora se juntam numa peça só, verdadeira e indivisível. O contraste é lapidar, talvez como nunca outrora. As marcas da destruição e da degradação, ainda bastante visíveis, convivem lado a lado com os sinais de renovação que brotam na cidade agitada de gente, vozes e trânsito.
Tudo isto não só se vê e sente como se cheira. Como se se pudesse ler tudo, as mesmas coisas, recorrendo de olhos fechados a uma outra linguagem. Do nauseabundo saneamento por vezes a céu aberto, ao aroma límpido e fresco dos espaços comuns do hotel, ou à vaga de maresia que o vento e a humidade trazem e que simultaneamente se mistura e distingue dos escapes de viaturas, indústrias e estaleiros. E, irrompendo de onde em onde, o aroma sincero dos temperos e da comida, umas vezes demasiado familiar e outras absolutamente novo e diferente. Para lembrar que se está no sul do mundo.
domingo, outubro 08, 2006
entre o céu e a terra
"- E depois, o que nos acontece?
- Dois anjos vêm buscar-vos.
- De certeza?
- Absoluta."
(Paradise Now, de Hany Abu-Assad, 2005)
- Dois anjos vêm buscar-vos.
- De certeza?
- Absoluta."
(Paradise Now, de Hany Abu-Assad, 2005)
sábado, outubro 07, 2006
sexta-feira, outubro 06, 2006
admirável mundo novo
Observava com resignação serena a forma como a obsessão antitabagista continuava a alastrar militantemente por todo o lado, preenchendo os interstícios mais insuspeitos e tornando o ambiente mais saudável, os espaços mais saudáveis, as pessoas mais saudáveis e o mundo mais doentio.
quinta-feira, outubro 05, 2006
quarta-feira, outubro 04, 2006
o messias
Ao lado da estatueta de bronze de São Cristóvão, do termómetro avariado de plástico e do terço em miniatura cheio de pó, estava o cartão com o nome: Messias. Entrou com os bons dias e com a indicação do destino, e Messias arranca de súbito, exactamente antes de dizer: "Caralhos os fodam!... Agora vão aumentar os parques, ladrões do caralho. Filhos da puta que só cá andam para roubar... Os gatunos!". Ainda pensou que fosse com ele, mas reparou então na emissão radiofónica que tinha inspirado aquela simpática saudação matinal do Messias: "Pergunto ao nosso ouvinte se concorda com o aumento dos parques de estacionamento em 30%". "Sim... Penso que as pessoas devem utilizar mais os transportes e assim talvez deixem os carros mais em casa...". "Foda-se!... E a este parece-lhe bem, caralho!", riposta, vermelho e gorduroso, o Messias.
Não teve desta vez a coragem do amigo, e recusou assim o explícito convite para um joguinho de xadrez ou um combate de boxe durante a viagem. Aliás, pelo aspecto da coisa a proposta cingir-se-ia seguramente ao boxe. O xadrez era, visivelmente, divertimento de meninos do coro para o Messias. E decidiu portanto, negar o convite desde logo, retirando da pasta um bloco para fazer as anotações que a viagem prometia, e dando assim a entender ao Messias que estava mais concentrado em aproveitar o tempo para trabalhar.
Na avenida que ladeia o rio, sobre o qual se dissipava a névoa da manhã, o trânsito ficou entretanto congestionado, devido às obras do Metro. “Eh fila do caralho!... Ainda tentei passar mas já não deu, foda-se!”. Uma senhora atravessa a passadeira. “E aquela filha da puta, não se mexe? Parece que tem os pés colados ao chão, caralho. Mexe-te foda-se!”.
Cedo ou tarde o Messias chegaria lá. Não demorou nem dois minutos. A propósito das obras e de outros considerandos, entra no cerne da questão: “No tempo do outro nada disto acontecia”. “Qual outro?”, perguntou, numa indisfarçável falsa ingenuidade. “O António, o Dr. Salazar”. “Ah”, limitou-se a responder com a máxima discrição, não fora mais conversa dar o sinal equívoco de que, afinal, não se importava de jogar uma partidinha.
Não teve desta vez a coragem do amigo, e recusou assim o explícito convite para um joguinho de xadrez ou um combate de boxe durante a viagem. Aliás, pelo aspecto da coisa a proposta cingir-se-ia seguramente ao boxe. O xadrez era, visivelmente, divertimento de meninos do coro para o Messias. E decidiu portanto, negar o convite desde logo, retirando da pasta um bloco para fazer as anotações que a viagem prometia, e dando assim a entender ao Messias que estava mais concentrado em aproveitar o tempo para trabalhar.
Na avenida que ladeia o rio, sobre o qual se dissipava a névoa da manhã, o trânsito ficou entretanto congestionado, devido às obras do Metro. “Eh fila do caralho!... Ainda tentei passar mas já não deu, foda-se!”. Uma senhora atravessa a passadeira. “E aquela filha da puta, não se mexe? Parece que tem os pés colados ao chão, caralho. Mexe-te foda-se!”.
Cedo ou tarde o Messias chegaria lá. Não demorou nem dois minutos. A propósito das obras e de outros considerandos, entra no cerne da questão: “No tempo do outro nada disto acontecia”. “Qual outro?”, perguntou, numa indisfarçável falsa ingenuidade. “O António, o Dr. Salazar”. “Ah”, limitou-se a responder com a máxima discrição, não fora mais conversa dar o sinal equívoco de que, afinal, não se importava de jogar uma partidinha.
terça-feira, outubro 03, 2006
la cittá vista dal basso
No âmbito de uma conferência sobre desenvolvimento local (“Socialmente”), realizada em Cittá di Castelo (Itália), foi efectuado um inquérito a crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 11 anos. Pretendia-se conhecer os gostos e anseios dos pequenos relativamente à sua cidade, devendo estes preencher uma ficha com três questões simples. Numa sessão organizada para o efeito, as respostas obtidas foram expostas em diversos placards, antes da sua sistematização e envio para as autoridades locais. Esta iniciativa de democracia participativa mirim tinha o sugestivo título de “La Cittá vista dal basso”, e podiam-se encontrar respostas como esta:
“La mia cittá…
Cosa mi manca…: mi manca un cane
Cosa mi piace…: mi piace i gatti e i melri
Cosa mi fa paura…: mi fa paura i lione”
A lion?... In Italy?
Cosa mi manca…: mi manca un cane
Cosa mi piace…: mi piace i gatti e i melri
Cosa mi fa paura…: mi fa paura i lione”
segunda-feira, outubro 02, 2006
resistenza
"Às crianças, mulheres e homens de toda as estirpes e nações, selvaticamente mortos pela ferocidade nazi nos campos de extermínio. A Província e a Comuna de Bolonha dedicam este Memorial de compaixão e reconhecimento a todos aqueles que sofreram e pereceram em nome da luta suprema pela Liberdade Humana, pela independência dos povos e pelo advento de uma sociedade mais justa, na convivência pacífica entre todas as pessoas."