domingo, novembro 28, 2010

uma história da música (XVII)

The Works (Queen, 1984)

quarta-feira, novembro 17, 2010

tempos de insanidade

Como numa tribo cuja vida colectiva é determinada pelo humor dos deuses, obrigando a pensar na melhor forma de lhes agradar ou de aplacar a sua ira, o debate político-económico tem sido preenchido, entre nós, pela discussão sobre as melhores formas de desencadear uma boa reacção dos mercados e evitar a sua cólera. É isto que justifica os PEC I e II, bem como a austeridade imposta pelo OE de 2011: se fizermos sacrifícios, os mercados ficam contentes e deixam de agravar os juros que pendem sobre a dívida soberana.
A razão de ser das políticas de austeridade que nos tem sido apresentada não recorre, todavia, a estas lógicas metafísicas, mas antes a fundamentos supostamente racionais. Como explicou Durão Barroso, "um país que se endivida tem depois de mostrar que é capaz de pagar as dívidas que tem (...), é importante agora que Portugal faça o que for necessário para restabelecer a confiança, a confiança dos mercados na sua capacidade para consolidar as finanças públicas".
Tudo isto poderia fazer sentido, não fosse o caso de uma evidência e uma perplexidade estragarem a racionalidade que nos tem conduzido, de forma asfixiante, nos últimos tempos.
A evidência reside no facto de, tal como já se tinha tornado claro nos casos da Espanha e da Irlanda, os mercados se borrifarem para sacrifícios. Não é essa, manifestamente, a sua lógica de funcionamento. Como o gráfico ao lado permite demonstrar, os juros da dívida têm subido paulatinamente desde os 4,3% de Março para os 6,3% actuais(*), indiferentes portanto - nessa trajectória - às duras opções que, como seria suposto, comportam a capacidade de inverter essa subida.
A perplexidade reside em pensar que, se as coisas funcionassem nos termos em que Durão Barroso as coloca, o melhor sinal que um país poderia dar relativamente à sua capacidade para pagar dívidas consistiria em desenhar boas políticas e estratégias, conducentes à revitalização económica e à criação de riqueza. Isto é, políticas capazes de estimular o consumo, o emprego, o crescimento económico e a receita fiscal. Tudo ao arrepio, portanto, das medidas de austeridade que foram recentemente agravadas.
Nos termos da lógica que nos tem guiado, num mundo e num tempo normal, esperar-se-ia que esses novos deuses - os mercados - reagissem pois negativamente a tudo o que tem sido proposto como caminho de saída para a crise.

(Postado originalmente no Ladrões de Bicicletas)
(*) A 2 de Novembro. Hoje, de facto, o valor dos juros da dívida ronda os 7%, corroborando o efeito contraproducente das políticas de austeridade.

sábado, novembro 13, 2010

the clash

"Descobri: as feministas são as Huntington da "gender question" (provided that it exists, of course). Só que em vez do "choque de civilizações", do que elas falam é do "choque de géneros", "questão de género" ou qualquer coisa conflituosa similar."

(Carla Luís, A outra Voz)

sexta-feira, novembro 12, 2010

o senhor adeus

Italo Calvino teria provavelmente visto nele um senhor Palomar de carne e osso. A figura simpática que acenava aos carros em travessia da noite, junto ao Saldanha, trasformava por momentos a grande cidade numa pequena aldeia, em que todos pareciam conhecer-se. O homem que assim encontrou uma forma de espantar a solidão (essa "malvada que o perseguia por entre as paredes vazias da casa"), interrompendo subitamente a rotina de quem passava, tornara-se um símbolo peculiar de "uma cidade mais humana, menos impessoal". Morreu domingo passado, aos oitenta anos. Adeus senhor adeus.

quinta-feira, novembro 11, 2010

hoje

No dia em que se soube que o FMI já aterra todos os dias na Portela, fazendo escala prévia em Bruxelas, João Rodrigues, Elísio Estanque e Mariana Mortágua juntam-se na FEUC (na bem escolhida Sala Keynes), em Coimbra, às 17 horas, num debate que procura desvelar os contornos da economia estúpida em que estamos mergulhados.

terça-feira, novembro 09, 2010

apesar

A Universidade de Coimbra atribuiu hoje a medalha de ouro a Aminatu Haidar, que em Novembro de 2009 fez saltar Lanzarote para as páginas da imprensa mundial, ao permanecer 32 dias em greve de fome, no contexto da sua luta em nome do direito à auto-determinação do povo sarahaui.
Perante este gesto que enobrece a universidade, é impossível não lembrar as dificuldades que, nesses dias, diversos governos europeus evidenciaram no sentido de pressionar Marrocos a permitir a Aminatu o regresso a casa. Como é impossível não lembrar o que alguém escreveu no dia em que tal se tornou possível: "Falem-me então dos equilíbrios geopolíticos. Digam-me da conveniência da moderação nas políticas externas. Argumentem-me com os riscos do voluntarismo. Lembrem-me que as causas morais são inimigas dos interesses dos Estados. E eu respondo-vos que Aminetu Haidar regressou à sua terra, apesar de vocês." Ver aqui gravação da homenagem igualmente prestada pela Universidade Autónoma de Lisboa.

domingo, novembro 07, 2010

«os economistas»

RTP1, Telejornal, 20.37h. Depois de dissecar a não consumação do acordo entre o Governo e o PSD relativamente ao Orçamento de Estado, José Rodrigues dos Santos (minuto 37 do vídeo) refere que “a ruptura entre o PSD e o governo foi mal recebida pelos economistas”, anunciando assim uma peça com entrevistas a Ferraz da Costa (antigo presidente da CIP), João Salgueiro (ex-presidente da Associação Portuguesa de Bancos), Fernando Ulrich (Presidente do BPI) e Mira Amaral (ministro nos governos de Cavaco Silva).
Estava dada, nos termos em que José Rodrigues dos Santos apresentou o conjunto de entrevistas, a opinião de «os economistas», que o jornalista sintetizaria – perante as questões colocadas – no facto de estes acharem ser “preferível um orçamento adequado e eficaz do que um documento aprovado a qualquer custo”.
Com outro painel, a síntese obtida poderia ser eventualmente a mesma. O ponto não é esse. O ponto é o de se pressupor que, ouvindo estas quatro individualidades, se torna possível conhecer, à partida, a opinião de «os economistas» sobre as mais diversas matérias.
Faça-se o exercício de tentar posicionar estes comentadores no espectro político-partidário, no campo de perspectivas do pensamento económico e nas tendências de parecer face a questões concretas. E ter-se-á uma noção clara sobre a estreiteza do conceito de pluralismo de opinião que o serviço público de televisão recorrentemente tem, em matéria de debate económico.

(Postado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

sábado, novembro 06, 2010

a queda do tigre celta

"Durante as duas últimas décadas a Irlanda conheceu tempos vibrantes de transformação. Outrora um território agrícola tornou-se numa economia dinâmica, baseada em serviços, apostada na atracção de investimento directo estrangeiro e dependente do comércio internacional. Entre 1995 e 2007 o PIB irlandês cresceu 6% ao ano. Esta pequena economia era a menina dos olhos de todos aqueles que afirmavam ser possível reformar uma velha e atrasada região periférica da Europa a partir de receitas baseadas no liberalismo económico, na baixa de impostos e na aposta em serviços sofisticados e globalizados como a banca moderna. O que se passou a seguir foi um balde de água fria. (...) Hoje a Irlanda tem um défice de 32%, dois terços do qual devido às perdas do sistema bancário agora nacionalizado. O Ministro das Finanças diz-se «verdadeiramente chocado», mas acrescenta que continua a acreditar no modelo de «economia liberal» que tornou a Irlanda um «tigre». (...) Muitos comentadores afirmam que «se está a matar a economia para salvar bancos que era suposto ajudarem o país, mas que continuam sem injectar o crédito de curto prazo vital às PME.» (...) E sobretudo: «A Irlanda é agora vista aos olhos de muitos como o exemplo horrífico do que uma política de austeridade pode fazer.»".

(Sandro Mendonça, Diário Económico)

sexta-feira, novembro 05, 2010

onze minutos imperdíveis

Uma excelente síntese de David Harvey, genialmente ilustrada, para perceber como chegámos aqui e os problemas que se nos colocam.

quinta-feira, novembro 04, 2010

ensaio sobre a desfaçatez

Num debate ontem realizado na Univer-sidade Católica, Daniel Bessa admite poderem “ser precisos outros PEC”, uma vez que Portugal vai “entrar num período profundo de recessão, durante muitos anos”. Isto é, um dos grandes arautos das políticas recessivas (cortes salariais, privatização dos serviços públicos e redução da receita proveniente do IRC, entre outras), considera que a cura para a recessão é somar-lhe mais recessão, através do reforço de medidas que estiolam ainda mais o consumo.
No silêncio da argumentação ficam quaisquer referências ao papel da dinâmica especulativa dos mercados na situação actual, aos impactos da crise financeira nos orçamentos públicos, ou um apontamento que fosse sobre as disfuncio-nalidades assumidas do actual modelo de governação económica europeia.
A desfaçatez deste economista do regime, que não se detém um segundo que seja na análise da coerência e sustentação do que defende, faz lembrar aquele notável momento de Marcelo Rebelo de Sousa por ocasião do referendo sobre a despenalização do aborto. "Os PEC têm em vista a saída da crise?", "Sim" - "Podemos então esperar que eles invertam a recessão?", "Não" - "Mas se necessário deverão ser adoptados novos PEC...", "Sim" - "Não vê problema em que eles agravem a situação...", "Não".

(Postado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

segunda-feira, novembro 01, 2010

economia sem muros

"A Economia como ciência atravessa actualmente um período de profunda transformação. Em causa está a forma como o «económico» é pensado e a sua relação com o «político», o «moral», o «social» e o «ambiental». O que é (e não é) «económico»? O que é (e deve ser) a Economia como saber ou ciência? A Economia limita-se (e deve limitar-se) a interpretar ou descrever a realidade ou constrói ela própria a realidade que ao mesmo tempo descreve? O que significa «pensar como um economista»? O que une um grupo de estudiosos numa profissão autónoma chamada «Economia» e os distingue de outros que também se dedicam a analisar a «economia»? Podem os economistas aprender com abordagens provenientes de outros domínios disciplinares? O que aprendemos com a história da disciplina?"

O livro que "procura respostas para estas questões por parte de economistas e outros cientistas sociais portugueses" é lançado amanhã às 18.30h no CES Lisboa (Picoas Plaza, Rua Tomás Ribeiro, 65). Lançamento que constitui um excelente pretexto para uma conversa entre os coordenadores da obra, Vítor Neves e José Castro Caldas e Pedro Lains (Investigador do Instituto de Ciências Sociais).