sexta-feira, fevereiro 29, 2008

presunção e preconceito

Antes de assumir funções, talvez tivesse sido sensato que a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, tentasse conhecer de que é efectivamente feita a realidade das escolas e o quotidiano dos professores. Creio que desse modo teria conseguido temperar a sua científica presunção de conhecer a fundo o sistema educativo, os seus problemas e soluções, dando-se a si mesma a oportunidade de concluir que política de educação não é simples engenharia social e legislativa. E, sobretudo, talvez tivesse tido também a oportunidade de questionar a sua firme convicção de que os docentes constituem a raiz dos maus resultados escolares e do insucesso educativo.

Maria de Lurdes Rodrigues tomou medidas positivas. Ampliou, por exemplo, as condições de estabilidade do corpo docente, ao assegurar a permanência destes na mesma escola por um período de três anos. E a escola a tempo inteiro deve igualmente ser considerada uma boa iniciativa. São dois casos (entre outros, também episódicos) de sintonia da ministra com as escolas, os seus problemas e as suas efectivas necessidades.
Outras iniciativas são também positivas em abstracto. Como colocar na agenda política a questão da avaliação de professores ou a redefinição do quadro de vinculação destes ao sistema. Mas a operacionalização destas e de outras medidas não podia ser mais catastrófica, injusta e reveladora do profundo desconhecimento de Maria de Lurdes Rodrigues em relação à realidade escolar e social. Aliás, o modo obstinado, autoritário, cego e surdo com que ignorou essas mesmas realidades, prosseguindo teimosamente a sua "cientificamente pura" reforma educativa, num permanente desprezo, perseguição e agressão gratuita aos docentes, está a dar os frutos mais do que esperados. E a única surpresa é como puderam os professores, durante tanto tempo, aguentar tão pacientemente o desrespeito, a humilhação pública e as evidentes injustiças de que foram alvo, muitas vezes intencionalmente, outras pela forma trapalhona, incompetente e irresponsável com que a ministra avançou.

Alguns exemplos. Um populismo da pior espécie ao fomentar e alimentar a tese popularucha de que os professores não trabalham. A indignidade de achar que as aulas de substituição não correspondem a trabalho acrescido, escusando-se portanto ao justo pagamento do respectivo tempo suplementar dedicado pelos docentes à escola. A iníqua lógica subjacente à criação da figura do professor titular, que desconsiderou muitos daqueles que mais deram de si à comunidade educativa e que mais apostaram na sua qualificação profissional. A mudança do modelo de gestão, cinicamente apresentado como um novo modelo em favor da autonomia, retirando na prática capacidade substantiva à comunidade escolar (professores, pessoal não-docente, pais e alunos) para se organizar, definir e se comprometer com o seu próprio projecto educativo. E a reabilitação da figura do director escolar, sinal maior da desconfiança sobre o colectivo dos professores e sobre a gestão democrática das escolas (ficando a perplexidade de não se cuidar sequer de explicar a razão de ser destas medidas, os problemas a que visariam dar resposta, quando um inquérito internacional ilustra que os professores são a classe profissional em que os portugueses depositam maior confiança, e quando uma avaliação de escolas promovida pelo próprio ministério aponta para classificações de "Bom" e "Muito Bom", em matéria de liderança, em mais de 75% dos casos analisados).

Como se a gravidade destas formas de levar políticas à prática não bastasse, há um propósito mais sinistro, profundo e perdurável na política educativa do actual ministério. Um pastich técnico e ético semelhante ao das obras de "arquitectura" de José Sócrates, que vitimou o desafortunado distrito da Guarda. Maria de Lurdes Rodrigues quer seguramente ficar para a história como a ministra que alcançou os melhores resultados estatísticos em matéria de sucesso educativo e de redução do abandono escolar. A qualquer preço. Incluíndo a rendição ao facilitismo e o recurso a todos os meios necessários para que os alunos tenham bons resultados, mesmo que esses resultados signifiquem menores aprendizagens efectivas (as novas oportunidades para jovens alunos são o melhor, mas não único, exemplo) e menor capacitação dos alunos para desafios futuros. Acaso lembra a alguém sério avaliar os professores incluíndo no processo de avaliação as notas obtidas pelos seus alunos? Será necessário recordar que as pautas de muitos dos melhores e mais competentes professores que tivemos nas nossas vidas eram justamente as que, em virtude da sua exigência, os prejudicariam hoje com o modelo de avaliação proposto? Não dizem os resultados dos alunos muito mais sobre eles mesmos e as condições de aprendizagem, do que sobre o desempenho dos professores? É sensato colocar os docentes perante o dilema de não serem exigentes com a aprendizagem dos seus alunos ou poderem ficar prejudicados na sua avaliação, quando podem até ter feito tudo o que estava ao seu alcance pelas boas aprendizagens?

Porque convicta de que o mal do sistema educativo se resume aos professores, e porque não tentou sequer reflectir sobre o seu preconceito em relação a eles, Maria de Lurdes Rodrigues esqueceu o principal: antes de se exigir devem criar-se condições, porque não é admissível esperar que um professor se possa dedicar a cada caso, como é desejável que o possa fazer, quando tem sob sua responsabilidade - na maior parte das situações - mais de uma centena de alunos por ano lectivo. A verdadeira chave do sucesso educativo, que não é simplesmente a de atingir números e estatísticas, passa muito por aqui. Mas é neste momento inútil, patético até (provavelmente sempre o teria sido), recomendar à ministra da Educação que arrepie caminho. A confiança, o diálogo, todos os elos de ligação entre a tutela e o universo escolar foram irremediavelmente quebrados. E como não é previsível que um primeiro-ministro arrogante, como José Sócrates, se dê ao trabalho de recriar as condições necessárias a uma reforma em que participem os profissionais do sector, como deve desejavelmente suceder, Maria de Lurdes Rodrigues ficará portanto a aboborar na 5 de Outubro até 2009, a bem da intranquilidade, da insatisfação generalizada e do irresponsável impasse da Educação em Portugal.

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

canal história

O Público de hoje lembra que há 75 anos, na noite de 27 para 28 de Fevereiro de 1933, o Reichstag era consumido pelas chamas, na sequência de um acto de fogo posto cuja autoria é ainda objecto de discussão (com a dúvida se Marinus van der Lubbe, que pertencera às Juventudes Comunistas Holandesas, e encontrado a atear pequenos focos de incêndio, agira individualmente e por mote próprio, ou se foram as Secções de Assalto nazis que trataram directamente, ou através dele, de reduzir o parlamento alemão à sua estrutura exterior). A 28 de Fevereiro, contudo, o pretexto serve a Hitler para obter do presidente Hindenburg o decreto "Protecção do Povo e do Estado", que suprime as liberdades constitucionais e inicia as práticas de terror e arbítrio. Com eleições à porta, o Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP) obtém a 5 de Março 43,7% dos votos e, aliado ao Partido Nacional Popular Alemão (DNVP), alcança a maioria absoluta. A 22 de Março é criado o primeiro campo de concentração, em Dachau, para comunistas, judeus e "associais". Daí em diante, o episódio do incêndio torna-se irrelevante. A Alemanha nazi está em marcha.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

novas fronteiras

Enquanto no Porto agentes da PSP não paravam de identificar professores que se manifestavam na Avenida dos Aliados (na sequência de uma difusão espontânea de sms), exigindo-lhes os respectivos bilhetes de identidade, Sócrates discursava no Fórum Novas Fronteiras, referindo-se ao mesmo como "uma assembleia de mulheres e homens livres".

domingo, fevereiro 24, 2008

novilíngua

Promover a autonomia = manter competências e retirar poder e capacidade de decisão; impôr modelos únicos de governação das escolas ■ Avaliação dos professores = os bons professores têm alunos com notas positivas, os maus professores têm alunos com resultados negativos ■ Sucesso escolar = resolve-se nas pautas, sem ser necessário que elas sejam a expressão de aprendizagens efectivas ■ Escola = lugar de ensino e aprendizagem dispensável (há sempre novas oportunidades para, num ápice, recuperar as habilitações dos alunos desistentes ■ Estatísticas = mais do que a medida da realidade, são a própria realidade ■ Exigência e rigor = reduzir o esforço dos alunos, visando a obtenção de resultados escolares positivos

sábado, fevereiro 23, 2008

doze

Palavras a cores, para responder ao amigo Calheiros:

magma, seiva, viscoso lamparina, bufarda, hóstia ■ seis palavras feias antecedidas de um "Ah..."

(As três primeiras por serem simples mas muito expressivas. As três seguintes por serem formas engraçadas de dizer chapada. Nas seis restantes o "Ah..." deve ser bem exalado)

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

songs for the season

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

monção de censura

"O ministro conclui: 'O problema do ordenamento do território já não é o mais sério em Portugal' (...). De facto, o nosso problema mais grave não é o ordenamento do território, mas sim a nossa tolerência perante a mediocridade."

(Helena Matos, no Público de ontem)

terça-feira, fevereiro 19, 2008

construção cívica

Na história das obras de arquitectura de José Sócrates, o que de facto interessava saber era se ele tinha assinado projectos de que não era autor, mesmo que essa prática fosse usual e considerada legal. Mas sobre isso Sócrates nada disse, e limitou-se a assumir a responsabilidade pelos projectos (o que, convenhamos, é o mínimo exigível a quem se compromete com a sua assinatura).
O cão de um vizinho costuma fazer cócó mesmo na entrada do prédio. Não lhe vou sugerir que solicite ao engº Sócrates para assumir a autoria das obras, mas - face à sua disponibilidade para um compromisso com coisas de que, até prova em contrário, não é autor -, talvez recomende ao canito que lhe peça uma assinatura para efeitos de assumpção de responsabilidades.

domingo, fevereiro 17, 2008

jobs under construction

sábado, fevereiro 16, 2008

cidade adormecida

A Coimbra pode aplicar-se, sob vários prismas, o título de capital do imóvel (na feliz expressão de um amigo). A especulação fundiária e imobiliária florescem deste há muito, tornando o mercado habitacional da cidade manifestamente inacessível e palco de negócios e transacções desenfreados e muitas vezes obscuros. Mas é também um imobilismo profundo que de há longa data condiciona a sua afirmação e uma definição estratégica e assumida do que Coimbra quer, afinal, ser. Com evidentes responsabilidades para o letárgico comodismo e falta de visão do executivo municipal, que reduz a política cultural local a uma questão de betão que é, mesmo nesses restritos termos, estrategicamente pobre e duvidosa. O debate do dia 20, que surge na sequência de um manifesto que conta já com mais de mil subscritores, pode ser um importantíssimo primeiro passo para uma alteração substantiva deste estado de coisas, contribuindo para despertar uma cidade adormecida.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

rui marques

Rui Marques deixou, a seu pedido, o cargo de Alto Comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI). A notícia ocupou apenas um parágrafo de topo de página num Público do início de Fevereiro, passando quase despercebida na comunicação social dos dias seguintes.
A Rui Marques muito se deve pelo modo como os portugueses passaram a encarar os imigrantes, deixando cada vez menos espaço de receptividade da opinião pública a discursos explícita ou implicitamente xenófobos (como os do CDS-PP de há uma década atrás). A demonstração do contributo líquido dos imigrantes para as finanças públicas, do seu papel no desempenho de profissões que os portugueses já não querem, ou da falta de fundamento para associar imigração e criminalidade, são alguns dos resultados de estudos que o Alto Comissariado, nos mandatos de Rui Marques, patrocinou e divulgou.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

12 de fevereiro

Sim

domingo, fevereiro 10, 2008

sermão aos peixes

oh gentlemen ■ swallow your prayers ■ because the wind makes a mockery of men ■ your soul becomes a fish ■ you swim in idle waters ■ and drink other fishes piss ■ your soul feeds on fish ■ on piss, puss and men ■ who in turn, become as you have become ■ a fish ■ no, not even that, but a symbol of a fish ■ hooked by the baby flesh of maggots ■ a ripple of life in tin ■ this tin could become your world too ■ so choose between this and water ■ choose between tin and piss ■ do you still feel thirsty now ■ are you thirsty now ■ are you thirsty now ■ do you still feel ■ thirsty ■ thirsty now
("The three shadows, Part III", Bauhaus - The Sky's Gone Out, 1985)

sábado, fevereiro 09, 2008

sinopse

"O processo de Isaltino de Morais voltou quase à estaca zero, mais uma vez, ao fim de não sei quantos anos, e não acontece nada. Vários crimes de que era acusada Fátima Felgueiras prescreveram entre os passeios pelo Brasil, as mudanças de visual e as peregrinações a Fátima dos felgueireneses, patrocinadas pela "Fatinha". E não acontece nada. O Ministério Público arquivou o processo de agressões ao vereador de Gondomar, continua a não se saber quem o agrediu, mas isso não deve ter importância, porque não acontece nada. Cravinho faz uma crítica duríssima aos seus colegas de bancada por sabotearem qualquer legislação contra a corrupção. E não acontece nada. De passagem, o mesmo Cravinho põe em causa com todas as letras o comportamento do LNEC, a quem acusa de ter moldado as conclusões às vontades do poder político, falsificando o seu relatório sobre o aeroporto por omissão de despesas. E não acontece nada. O bastonário da Ordem dos Advogados falou alto de mais e obrigou a mais uma ronda de lip service sobre a corrupção dos ricos e poderosos, que muito provavelmente vai dar origem a mais uma... Comissão. E não acontece nada. O mesmo bastonário acrescentou um caso muito interessante de como se ganha dinheiro em Portugal, o prédio vendido de manhã pelo Estado aos privados e vendido à tarde pelos privados a outros privados com mais cinco milhões em cima e, pelo meio, consultores e assessores do PS e do PSD. E não acontece nada. O Público mostrou a obra arquitectónica do engenheiro Sócrates, por coincidência toda no distrito da Guarda, apesar de ele ser funcionário da Câmara da Covilhã e dirigente partidário do distrito de Castelo Branco. E não acontece nada. Depois, há o ciclo do governo PSD/PP com os seus sobreiros, submarinos e um casino dado numa noite de despachos que adormeceu ainda com o governo Santana Lopes/Portas e acordou com o governo do engenheiro Sócrates, porque era o dia do fim dos tempos, o Gotterdamerung da coligação despedida por Sampaio e por milhões de portugueses. E não aconteceu nada."

(Pacheco Pereira, no Público de hoje)

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

o post da semana

"estou quase a sair para ir trabalhar e não sei se hei-de levar ou não o cachecol. se calhar vou ligar para o lnec."

("o mário lino que vive em mim", na azinheira do costume)

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

é a cultura, coimbra

Ter visão nem sempre é um problema de óculos. E isto aplica-se tanto ao vereador da cultura Mário Nunes (ao centro na foto, recebida por email), como - e sobretudo - ao presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Carlos Encarnação. Que insiste em não ver - ou em não querer ver -, que são já quase 1000 os cidadãos que assinaram (e leram) o Manifesto "Pelo direito à cultura, pelo dever de cultura!".

terça-feira, fevereiro 05, 2008

correia & portas, lda

Uma dupla imparável numa manhã muito produtiva. Enquanto um assina 300 despachos no Ministério do Turismo, o outro tira mais de 60 mil fotocópias no Ministério da Defesa.

domingo, fevereiro 03, 2008

admirável mundo novo

(Raim's Blog, 2008)

sábado, fevereiro 02, 2008

pecadilhos

"Poderia ser um pequeno pecado de um jovem no início da carreira, tentando sobreviver, se Sócrates tivesse claramente dito isso mesmo. Ninguém lhe levaria muito a mal, tão generalizada está esta prática. (...) Como aconteceu com a saga do diploma (...), Sócrates podia ter simplesmente dito que usou um título que formalmente não tinha, até porque isso era uma reivindicação dele e dos seus colegas quanto à equiparação, ou então, que tinha sido pouco cuidadoso nos papéis. E ponto final, ninguém passaria disso, ninguém lhe iria pedir mais contas. Nós percebíamos tudo e, como pessoas sensatas, sabemos que a vida tem destas coisas e querer que toda a gente seja tão bacteriologicamente pura como as cozinhas de sonho da ASAE, é absurdo."
(...) Mas Sócrates torna os seus pecadilhos em algo de mais grave. Torna-os em virtudes e, com arrogância, atribui-se comportamentos exemplares que não teve. E acresce a isso um autoritarismo que tenta sequer impedir que se discutam, e isso sim, lança uma luz perigosa sobre o seu exercício de funções."
(Do artigo de Pacheco Pereira, no Público de hoje)