presunção e preconceito
Antes de assumir funções, talvez tivesse sido sensato que a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, tentasse conhecer de que é efectivamente feita a realidade das escolas e o quotidiano dos professores. Creio que desse modo teria conseguido temperar a sua científica presunção de conhecer a fundo o sistema educativo, os seus problemas e soluções, dando-se a si mesma a oportunidade de concluir que política de educação não é simples engenharia social e legislativa. E, sobretudo, talvez tivesse tido também a oportunidade de questionar a sua firme convicção de que os docentes constituem a raiz dos maus resultados escolares e do insucesso educativo.
Maria de Lurdes Rodrigues tomou medidas positivas. Ampliou, por exemplo, as condições de estabilidade do corpo docente, ao assegurar a permanência destes na mesma escola por um período de três anos. E a escola a tempo inteiro deve igualmente ser considerada uma boa iniciativa. São dois casos (entre outros, também episódicos) de sintonia da ministra com as escolas, os seus problemas e as suas efectivas necessidades.
Outras iniciativas são também positivas em abstracto. Como colocar na agenda política a questão da avaliação de professores ou a redefinição do quadro de vinculação destes ao sistema. Mas a operacionalização destas e de outras medidas não podia ser mais catastrófica, injusta e reveladora do profundo desconhecimento de Maria de Lurdes Rodrigues em relação à realidade escolar e social. Aliás, o modo obstinado, autoritário, cego e surdo com que ignorou essas mesmas realidades, prosseguindo teimosamente a sua "cientificamente pura" reforma educativa, num permanente desprezo, perseguição e agressão gratuita aos docentes, está a dar os frutos mais do que esperados. E a única surpresa é como puderam os professores, durante tanto tempo, aguentar tão pacientemente o desrespeito, a humilhação pública e as evidentes injustiças de que foram alvo, muitas vezes intencionalmente, outras pela forma trapalhona, incompetente e irresponsável com que a ministra avançou.
Alguns exemplos. Um populismo da pior espécie ao fomentar e alimentar a tese popularucha de que os professores não trabalham. A indignidade de achar que as aulas de substituição não correspondem a trabalho acrescido, escusando-se portanto ao justo pagamento do respectivo tempo suplementar dedicado pelos docentes à escola. A iníqua lógica subjacente à criação da figura do professor titular, que desconsiderou muitos daqueles que mais deram de si à comunidade educativa e que mais apostaram na sua qualificação profissional. A mudança do modelo de gestão, cinicamente apresentado como um novo modelo em favor da autonomia, retirando na prática capacidade substantiva à comunidade escolar (professores, pessoal não-docente, pais e alunos) para se organizar, definir e se comprometer com o seu próprio projecto educativo. E a reabilitação da figura do director escolar, sinal maior da desconfiança sobre o colectivo dos professores e sobre a gestão democrática das escolas (ficando a perplexidade de não se cuidar sequer de explicar a razão de ser destas medidas, os problemas a que visariam dar resposta, quando um inquérito internacional ilustra que os professores são a classe profissional em que os portugueses depositam maior confiança, e quando uma avaliação de escolas promovida pelo próprio ministério aponta para classificações de "Bom" e "Muito Bom", em matéria de liderança, em mais de 75% dos casos analisados).
Como se a gravidade destas formas de levar políticas à prática não bastasse, há um propósito mais sinistro, profundo e perdurável na política educativa do actual ministério. Um pastich técnico e ético semelhante ao das obras de "arquitectura" de José Sócrates, que vitimou o desafortunado distrito da Guarda. Maria de Lurdes Rodrigues quer seguramente ficar para a história como a ministra que alcançou os melhores resultados estatísticos em matéria de sucesso educativo e de redução do abandono escolar. A qualquer preço. Incluíndo a rendição ao facilitismo e o recurso a todos os meios necessários para que os alunos tenham bons resultados, mesmo que esses resultados signifiquem menores aprendizagens efectivas (as novas oportunidades para jovens alunos são o melhor, mas não único, exemplo) e menor capacitação dos alunos para desafios futuros. Acaso lembra a alguém sério avaliar os professores incluíndo no processo de avaliação as notas obtidas pelos seus alunos? Será necessário recordar que as pautas de muitos dos melhores e mais competentes professores que tivemos nas nossas vidas eram justamente as que, em virtude da sua exigência, os prejudicariam hoje com o modelo de avaliação proposto? Não dizem os resultados dos alunos muito mais sobre eles mesmos e as condições de aprendizagem, do que sobre o desempenho dos professores? É sensato colocar os docentes perante o dilema de não serem exigentes com a aprendizagem dos seus alunos ou poderem ficar prejudicados na sua avaliação, quando podem até ter feito tudo o que estava ao seu alcance pelas boas aprendizagens?
Porque convicta de que o mal do sistema educativo se resume aos professores, e porque não tentou sequer reflectir sobre o seu preconceito em relação a eles, Maria de Lurdes Rodrigues esqueceu o principal: antes de se exigir devem criar-se condições, porque não é admissível esperar que um professor se possa dedicar a cada caso, como é desejável que o possa fazer, quando tem sob sua responsabilidade - na maior parte das situações - mais de uma centena de alunos por ano lectivo. A verdadeira chave do sucesso educativo, que não é simplesmente a de atingir números e estatísticas, passa muito por aqui. Mas é neste momento inútil, patético até (provavelmente sempre o teria sido), recomendar à ministra da Educação que arrepie caminho. A confiança, o diálogo, todos os elos de ligação entre a tutela e o universo escolar foram irremediavelmente quebrados. E como não é previsível que um primeiro-ministro arrogante, como José Sócrates, se dê ao trabalho de recriar as condições necessárias a uma reforma em que participem os profissionais do sector, como deve desejavelmente suceder, Maria de Lurdes Rodrigues ficará portanto a aboborar na 5 de Outubro até 2009, a bem da intranquilidade, da insatisfação generalizada e do irresponsável impasse da Educação em Portugal.
Maria de Lurdes Rodrigues tomou medidas positivas. Ampliou, por exemplo, as condições de estabilidade do corpo docente, ao assegurar a permanência destes na mesma escola por um período de três anos. E a escola a tempo inteiro deve igualmente ser considerada uma boa iniciativa. São dois casos (entre outros, também episódicos) de sintonia da ministra com as escolas, os seus problemas e as suas efectivas necessidades.
Outras iniciativas são também positivas em abstracto. Como colocar na agenda política a questão da avaliação de professores ou a redefinição do quadro de vinculação destes ao sistema. Mas a operacionalização destas e de outras medidas não podia ser mais catastrófica, injusta e reveladora do profundo desconhecimento de Maria de Lurdes Rodrigues em relação à realidade escolar e social. Aliás, o modo obstinado, autoritário, cego e surdo com que ignorou essas mesmas realidades, prosseguindo teimosamente a sua "cientificamente pura" reforma educativa, num permanente desprezo, perseguição e agressão gratuita aos docentes, está a dar os frutos mais do que esperados. E a única surpresa é como puderam os professores, durante tanto tempo, aguentar tão pacientemente o desrespeito, a humilhação pública e as evidentes injustiças de que foram alvo, muitas vezes intencionalmente, outras pela forma trapalhona, incompetente e irresponsável com que a ministra avançou.
Alguns exemplos. Um populismo da pior espécie ao fomentar e alimentar a tese popularucha de que os professores não trabalham. A indignidade de achar que as aulas de substituição não correspondem a trabalho acrescido, escusando-se portanto ao justo pagamento do respectivo tempo suplementar dedicado pelos docentes à escola. A iníqua lógica subjacente à criação da figura do professor titular, que desconsiderou muitos daqueles que mais deram de si à comunidade educativa e que mais apostaram na sua qualificação profissional. A mudança do modelo de gestão, cinicamente apresentado como um novo modelo em favor da autonomia, retirando na prática capacidade substantiva à comunidade escolar (professores, pessoal não-docente, pais e alunos) para se organizar, definir e se comprometer com o seu próprio projecto educativo. E a reabilitação da figura do director escolar, sinal maior da desconfiança sobre o colectivo dos professores e sobre a gestão democrática das escolas (ficando a perplexidade de não se cuidar sequer de explicar a razão de ser destas medidas, os problemas a que visariam dar resposta, quando um inquérito internacional ilustra que os professores são a classe profissional em que os portugueses depositam maior confiança, e quando uma avaliação de escolas promovida pelo próprio ministério aponta para classificações de "Bom" e "Muito Bom", em matéria de liderança, em mais de 75% dos casos analisados).
Como se a gravidade destas formas de levar políticas à prática não bastasse, há um propósito mais sinistro, profundo e perdurável na política educativa do actual ministério. Um pastich técnico e ético semelhante ao das obras de "arquitectura" de José Sócrates, que vitimou o desafortunado distrito da Guarda. Maria de Lurdes Rodrigues quer seguramente ficar para a história como a ministra que alcançou os melhores resultados estatísticos em matéria de sucesso educativo e de redução do abandono escolar. A qualquer preço. Incluíndo a rendição ao facilitismo e o recurso a todos os meios necessários para que os alunos tenham bons resultados, mesmo que esses resultados signifiquem menores aprendizagens efectivas (as novas oportunidades para jovens alunos são o melhor, mas não único, exemplo) e menor capacitação dos alunos para desafios futuros. Acaso lembra a alguém sério avaliar os professores incluíndo no processo de avaliação as notas obtidas pelos seus alunos? Será necessário recordar que as pautas de muitos dos melhores e mais competentes professores que tivemos nas nossas vidas eram justamente as que, em virtude da sua exigência, os prejudicariam hoje com o modelo de avaliação proposto? Não dizem os resultados dos alunos muito mais sobre eles mesmos e as condições de aprendizagem, do que sobre o desempenho dos professores? É sensato colocar os docentes perante o dilema de não serem exigentes com a aprendizagem dos seus alunos ou poderem ficar prejudicados na sua avaliação, quando podem até ter feito tudo o que estava ao seu alcance pelas boas aprendizagens?
Porque convicta de que o mal do sistema educativo se resume aos professores, e porque não tentou sequer reflectir sobre o seu preconceito em relação a eles, Maria de Lurdes Rodrigues esqueceu o principal: antes de se exigir devem criar-se condições, porque não é admissível esperar que um professor se possa dedicar a cada caso, como é desejável que o possa fazer, quando tem sob sua responsabilidade - na maior parte das situações - mais de uma centena de alunos por ano lectivo. A verdadeira chave do sucesso educativo, que não é simplesmente a de atingir números e estatísticas, passa muito por aqui. Mas é neste momento inútil, patético até (provavelmente sempre o teria sido), recomendar à ministra da Educação que arrepie caminho. A confiança, o diálogo, todos os elos de ligação entre a tutela e o universo escolar foram irremediavelmente quebrados. E como não é previsível que um primeiro-ministro arrogante, como José Sócrates, se dê ao trabalho de recriar as condições necessárias a uma reforma em que participem os profissionais do sector, como deve desejavelmente suceder, Maria de Lurdes Rodrigues ficará portanto a aboborar na 5 de Outubro até 2009, a bem da intranquilidade, da insatisfação generalizada e do irresponsável impasse da Educação em Portugal.
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