sábado, dezembro 30, 2006

pilatos

Mandando trazer água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Sou inocente do sangue deste homem; seja isso lá convosco.
(Evangelho segundo São Mateus, Capítulo 27, Versículo 24)

quarta-feira, dezembro 27, 2006

late night shopping

Ask me I might go
Why not take me with you
Ask me I might go
Late night shopping
We can take the car
No one will be watching
We can loose ourselves
Late night shopping
Tell me what we need
Write a list or something
We don´t need to need a thing
Late night shopping

(David Sylvian, Blemish, 2003)

terça-feira, dezembro 26, 2006

transcendência

sexta-feira, dezembro 22, 2006

morning glory (a christmas tale)

Landschaft (Jean Frédéric Schnyder)
I lit my purest candle close to my windowhoping it would catch the eye of any vagabond that passed it byand I'm waiting in my fleeting housebefore he came, I felt him drawing nearas he neared, I felt the ancient fearthat he had come to wound my door and jeerand I waited in my fleeting house"Tell me stories," I called to the hobo"Stories of cold," I smiled at the hobo ■ "Stories of old," I knelt to the hoboand he stood before my fleeting house"No" said the hobo, "No more tales of time""Don't ask me now to wash away the grime""I can't come in 'cause it's too high a climb"and he walked away from my fleeting house ■ "Then you be damned!" I screamed to the hobo"Leave me alone" I wept to the hobo"Turn into stone," I knelt to the hoboand he walked away from my fleeting house
(This Mortal Coil, Filigree & Shadow, 1986)

segunda-feira, dezembro 18, 2006

chegar

quarta-feira, dezembro 13, 2006

em nome da consciência (III)

Algo mudou desde o referendo à Interrupção Voluntária da Gravidez realizado em 1998. Da parte de alguns sectores mais conservadores (inclusive no seio da própria Igreja Católica), existem hoje posições menos dogmáticas e que revelam apesar de tudo maior sensibilidade ao drama humano de cada mulher que se confronta com a decisão de abortar. É verdade também, todavia, que continuam no terreno os terroristas do costume, que se socorrem sem qualquer pudor nem reserva mínima de decência, de todos os meios para intimidar, pressionar e ameaçar aqueles que possam equacionar a possibilidade de votar “Sim” no próximo dia 11 de Fevereiro. Mas como não acompanho nem uns nem outros, apenas lamento no primeiro caso o agravamento inconsequente das contradições e da hipocrisia e, no segundo caso, a opção reincidente pelo fanatismo e pela barbárie.
Já no que concerne a movimentos que apoiam a despenalização da IGV, nos termos propostos a referendo, fico perplexo quando constato que pouco se tenha evoluído em alguns casos, quer no plano da argumentação utilizada, quer no plano das estratégias de campanha concebidas, e que (bem vistas as coisas) não se diferenciam assim tanto, na sua essência, do mau gosto e do fanatismo simplista a que recorrem os terroristas do “Não”. O que revela, a meu ver, que persiste não só nestes casos uma profunda incompreensão sobre o que está realmente em causa, mas também uma surpreendente incapacidade para entender as verdadeiras razões que movem muitos dos que se encontram do lado do “Não”.

Nos argumentos de fundo, seria óptimo por exemplo que o debate que se vai realizar até Fevereiro dispensasse aquela discussão etérea (e inútil para o efeito) sobre o momento que marca o início da vida. Aceite-se como ponto de partida, de uma vez por todas, que o embrião consubstancia uma vida humana em potência, e que dará origem a um ser humano autónomo, caso a gravidez prossiga sem problemas de maior. A resistência de alguns dos movimentos do “Sim” em aceitar que se coloquem as coisas desde logo nestes termos (porventura apenas com o receio que tal “cedência” possa favorecer o argumento do homicídio) constitui a meu ver uma fraqueza e não uma força, pois impede que se abra a discussão sobre o que está verdadeiramente em causa: deverá uma mulher, até às dez semanas, ser legalmente “obrigada” a assumir-se enquanto mãe, prosseguindo uma gravidez que não deseja e da qual é parte intrínseca?
A questão reside por conseguinte em reconhecer e aceitar que à mulher cabe, nos termos propostos a referendo, a avaliação e decisão livre sobre o seu desejo, vontade, capacidade e condições para ser mãe, em nome da própria dignidade e do sentido da vida. Mais do que “o direito ao próprio corpo” (com as inenarráveis derivações para o “aqui mando eu” ou “a barriga é minha”), o que está em causa é a reivindicação de um efectivo direito à consciência individual e de uma compreensão e respeito colectivo pela liberdade de decisão, sem que penda sobre as mulheres o anátema do crime ou a ameaça do castigo penal.

Por isso, se queremos efectivamente discutir de forma séria com todos os que se encontrem indecisos relativamente ao seu sentido de voto, ou mesmo com muitos dos militantes do “Não”, devemos antes de mais dar conta de que o que os move é algo bem mais profundo do que um suposto deleite com a humilhação e a condenação das mulheres, a sede de vingança, ou a tentativa de usurpação de ventres alheios, como por vezes se pode deduzir no modo como alguns partidários do “Sim” arremessam os seus argumentos em direcção ao lado contrário. O que move e pode mover parte do eleitorado a votar “Não” assenta num raciocínio relativamente simples e compreensível, baseado nas seguintes convicções: 1. O embrião consubstancia a existência de uma nova vida humana; 2. Cometer aborto corresponde por essa razão à prática de homicídio; 3. Tratando-se de homicídio (com a agravante de o mesmo atingir uma vida indefesa), este deve ser legalmente intolerado e punido.
Perceber isto permite compreender que na essência destas convicções se encontra um princípio de defesa da vida humana que, em substância, não difere das razões que levam milhões de pessoas em todo o mundo a opor-se à vigência da pena de morte (numa luta que não será certamente menosprezada por estes defensores do “Sim”). A questão é que não estamos, nos termos propostos a referendo, perante um “ser outro” autónomo, mas sim perante uma realidade e um momento em que o ser humano a que dará origem o embrião depende, inextrincavelmente, de uma relação profunda estabelecida desde o início com a própria mãe (e que se prolongará pelo menos até ao fim da gravidez), razão pela qual esta não pode ser expeditamente rasurada do processo, como se afinal nem estivesse lá para que este prossiga, ou como se o feto não fosse “algo” que lhe diga directa e intimamente respeito.

É por estas razões que me parecem absurdos e absolutamente inconscientes e descentrados alguns dos slogans utilizados por defensores do “Sim”, e que me causam uma enorme perplexidade, pelo facto de não conseguir perceber como se pode considerar aceitável fazer campanha nestes termos, sobretudo – e devo ser franco - por parte de pessoas que admiro pelo seu empenho cívico em causas da maior nobreza e coragem.
Dou o exemplo desta campanha, para questionar o que realmente se pretende com o recurso a artefactos e indumentárias onde se inscreve um “Porque sim” (em cujas entrelinhas não consigo deixar de ler a ligeireza de um “Porque me apetece”), ou o já referido “Aqui mando eu” (que me faz pensar que um argumento deste género pode também ser utilizado por um lusitano macho latino que reivindica o direito a espancar a mulher em espaço doméstico…). E isto para já não falar da insólita e deplorável vertente mercantil e de merchandise associada a esta iniciativa em concreto.

Cair na tentação de transformar o referendo numa espécie de contenda simplista que separa o “eixo do bem” de um suposto “eixo do mal”, e que tende a demonizar todos os que não estão a favor do “Sim”, para além de convocar más memórias constitui um péssimo serviço que estes defensores da despenalização da IVG prestam à discussão, tornando não só contraproducentes e sem destinatário útil os argumentos utilizados, mas favorecendo igualmente um enclausuramento autista do próprio movimento, como aqui muito bem se assinalou.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

premir apenas em caso de necessidade

"Já fui de esquerda, quando era muito necessário. Agora, diria que sou de centro-esquerda."
(Maria Cavaco Silva, Visão, 7 de Dezembro de 2006)

10 de dezembro

A morte de Pinochet ficará para sempre associada a uma data que o próprio provavelmente nunca escolheria: o aniversário da proclamação, pela ONU, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
À memória do ditador, que tomou o poder em 1973 através do golpe de Estado de 11 de Setembro, depondo o então democraticamente eleito Salvador Allende, associa-se responsabilidade política pela morte e desaparecimento de mais de 3 mil pessoas e pela tortura de cerca de 28 mil cidadãos chilenos e de outras nacionalidades. Escapando impune ao tempo da justiça, Pinochet não escapa, ironicamente, a uma certa justiça do tempo, gravada em calendário.

Mas a data de 10 de Dezembro de 2006 ficará igualmente assinalada pela atribuição do Prémio Nobel da Paz a Muhammad Yunus, reconhecendo assim o seu contributo no combate à pobreza através da criação do conceito de micro-crédito e da fundação do Grameen Bank (que já atribuiu mais de 2,3 milhões de euros em crédito a pessoas pobres).

segunda-feira, dezembro 04, 2006

atom and cell

(Nine Horses, Snow Born Sorrow, 2005)
Her skin was darker than ashesAnd she had something to sayBout being naked to the elementsAt the end of yet another dayAnd the rain on her back that continued to fallFrom the bruise of her lipsSwollen, fragile, and small

sexta-feira, dezembro 01, 2006

em nome da consciência (II)

Uma das falácias em que incorrem os opositores da descriminalização do aborto reside no entendimento do embrião como um ser outro e autónomo, dissociado da mãe, daí decorrendo a convicção de que abortar corresponde à prática de homicídio, a que deve corresponder a devida moldura penal.
As declarações de Jorge Ortiga, arcebispo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, vão neste sentido, quando refere que “o concebido não é ‘apêndice’ da mãe, mas antes uma realidade humana autónoma e, como tal, inviolável” (Público de 14 de Novembro). Ora, curiosamente, talvez apenas considerando o embrião como um “apêndice” se poderia verdadeiramente falar, no quadro temporal das 10 semanas, numa “realidade humana autónoma”, e por isso “inviolável”. Sucede, contudo, que o embrião não é nem “apêndice” nem “realidade humana autónoma”, mas antes uma realidade humana em potência, que será ser humano autónomo no decurso de um processo de relação profunda, íntegra e íntima com a mãe.
Esta encontra-se intrinsecamente envolvida na gestação, o que torna insustentável defender o seu afastamento liminar quanto à decisão sobre a gravidez, determinando a substituição desse direito próprio pela coacção estatal que a criminalização encerra. Como se se tratasse, afinal, de uma vida inteiramente outra e, nesse sentido, inteiramente autónoma. E como se a mãe se reduzisse ao simples invólucro de um ser novo e finalizado, que não lhe diz propriamente respeito. Daqui surge a dificuldade para perceber que a decisão de ser mãe, o desejo de ser mãe, a assumpção de ser mãe e a avaliação das condições para ser mãe é insubstituível em qualquer caso, e muito menos substituível pela determinação jurídica que lhe diz dever ser mãe, independentemente do seu desejo ou capacidade.
A decisão de maternidade e paternidade é uma decisão pessoal, privada, que requer um sentido de responsabilidade e uma assumpção íntima e plena. Decidir abortar não é uma opção fácil ou leviana, como tantas vezes nos pretendem fazer crer. Assumir ou não uma gravidez inscreve-se no mais profundo da consciência individual e não no espaço público, sendo por isso em primeira instância a mãe (e em segunda instância o casal) quem está, apesar de tudo, nas melhores condições para decidir. Da minha parte, não quero que em meu nome o Estado interfira em decisões que devem ter lugar no lugar a que pertencem: a consciência íntima de cada um.