sexta-feira, março 12, 2010

joão

"Lembra-me, por exemplo, de que foi naquele mesmo restaurante que tive os primeiros jantares com o João, mais ou menos pela altura em que o Zé provava a chanfana. Lembro-me como se fosse hoje, posso também dizer, das intermináveis conversas que eu sorvia como se não houvesse amanhã. Lembro-me de ele fazer perguntas, de se interessar pelo que nós, uns putos, tínhamos para dizer. Acho que devo ao Tó-Zé a participação nesses jantares. Íamos para a sala do fundo, salvo erro às quartas-feiras, e saíamos de lá tardíssimo, com as injustiças do mundo por resolver, é certo, mas mais seguros do que podíamos fazer, cada um de nós e em conjunto, para lutar contra elas. Generoso como era, o João achava graça à nossa ingenuidade. E incentivava-nos a testá-la, a acreditar no que dizíamos, a experimentar aquilo em que acreditávamos. Mas não ficava só a ver. Ia connosco, aparecia, perguntava, ouvia, respeitava, participava. E tinha sempre o tempo todo para toda a gente, fazendo de cada pessoa com quem se cruzava a pessoa mais importante do mundo.
Lembram-me outros bons amigos que faz agora um ano que o João deixou de vir ter connosco. Lembro-me como se fosse hoje de onde e por quem recebi a notícia. De como ela era esperada e de como ainda assim não queríamos acreditar. Lembro-me, porque ainda hoje me custa tantas vezes acreditar e dou por mim a ter de fazer um esforço para me convencer de que não, o João não pode vir jantar ao Reis nem acabar a noite no Botânico.
Não me lembro do que comíamos naqueles jantares nem sei sequer se o João gostava, mas o que me apetecia mesmo hoje era comer uma chanfana.
Com ele."

(Obrigado Pedro, por lembrares assim este amigo e os dias que não se esquecem).