sábado, abril 25, 2009

rostos que a liberdade tem

Conta-se que numa das idas de Salgueiro Maia a Castelo de Vide, a sua terra natal, já numa fase avançada da doença que a pouco e pouco o tolhia, um amigo lhe terá perguntado como estava, ao que ele respondeu, com um sorriso traquina, "tirando o cancro, estou bem."
Lembro-me deste relato sempre que recordo a imensa coragem com que o João Mesquita travou igual combate. Também ele não deixou, até ao limite das suas forças, que a doença tomasse conta dos seus dias, da sua vida e até da sua infinita boa disposição e sentido de humor.
Mas não é apenas por esta forma sábia, lúcida, difícil e corajosa, com que mostrou ser possível enfrentar a invencível doença, que o João Mesquita e o capitão de Abril se cruzam, com enorme facilidade e frequência, no meu pensamento.
Aliás, o modo desprendido como assumidamente colocaram o seu estado de saúde em segundo plano foi apenas mais um sinal da infindável generosidade e altruísmo que lhes corria nas veias. Os amigos, a vida (com os bons momentos que a devem preencher), o mundo (na sua diária e incessante mudança) e a utopia de o mudar (mesmo que feita de uma justificada descrença, serena e divertida, sobre a real capacidade que o mundo tem para mudar), continuaram sempre a ser mais importantes, para eles, do que eles próprios.
Como é natural, não conheci Salgueiro Maia. Apenas li e ouvi falar dele. Mas tive a imensa sorte, apesar de tardia, de conhecer o João Mesquita. Com o João a amizade era fácil, verdadeira e agradável. Um cumprimento sempre caloroso, feito de interesse e preocupação constantes (mesmo quando os encontros eram tantas vezes adiados ou fortuitos). O João sabia sempre o que era feito de nós e queria sempre saber o que era feito de nós. E conversar. Um sorriso pronto, gestos inconfundíveis, uma voz e um riso que não se apagam da memória, por mais tempo que passe. Conheci-o tarde, mas a tempo de constatar a sua integridade inabalável, nascida de um profundo sentido de liberdade, que respirava com ele. E o modo como se impunham, em todas as circunstâncias (e a qualquer preço pessoal que tivesse que pagar), claros princípios de justiça, ética, coerência e solidariedade.
Por isso lembro hoje o João Mesquita, com palavras e saudades. No momento em que, há trinta e cinco anos atrás, a rádio começava a transmitir o "Grândola Vila Morena".