o assistente social
"Conhece a vida dos seus utentes, sofre com eles, bate-se por eles. Expunha o cúmulo de carências à enfermeira com "clínica" montada na Maia. E ela até podia ganhar muito dinheiro com outras mulheres, com estas não. "Ela não dizia: "Ou dá x ou não faço". Perguntava: "O que pode dar?"". Davam o que podiam. E podiam pouco. Davam "o abono de família". Quando lhe chegou a carta da polícia, o assistente social inquietou-se, apressou a data marcada para prestar declarações. Perguntaram-lhe o que fazia na Junta de Freguesia de Campanhã, uma das mais problemáticas do Porto, e se já fora confrontado com pedidos de interrupção voluntária da gravidez.
A Polícia Judiciária (PJ) alugara uma casa em frente à da enfermeira, fotografara o entra-e-sai. A imagem de José António Pinto fora captada. Na agenda da enfermeira, o seu nome escrito na coluna dos que enviavam "clientes". E havia uma carta a agradecer "a colaboração prestada" e "as facilidades dadas". Admitiu. Mediante "situações dramáticas", de pessoas que vivem "no limiar da dignidade humana", procurara a via legal. Fora "à maternidade, aos hospitais". Até alguém comentar: "És ingénuo, fala com a Maria do Céu". E ele expôs-lhe gravidezes indesejadas de raparigas muito jovens e solteiras, de toxicodependentes, de profissionais do sexo...
A PJ perguntou-lhe se fazia parte de uma rede de aborto, se angariava mulheres, se recebia dinheiro. Não obtinha proventos, nem caçava grávidas. Algumas mulheres, cujos nomes apareciam associados ao seu, explicaram que depositavam nele "grande confiança". Tinham-lhe batido à porta "desesperadas" e ele levara-as à enfermeira e fora buscá-las.
Sabia que corria riscos. De um momento para outro, podia ser chantageado - "Nenhuma o fez. Nenhuma disse: "Vou dizer que o filho é seu, que me obrigou a abortar, que me levou dinheiro"". De um momento para outro, podia ler num jornal: "Junta de freguesia patrocina abortos". Quis proclamar em tribunal: "Sou pela vida, sou pela vida em abundância, com afectividade e com papa para as crianças se desenvolverem de forma equilibrada e harmoniosa!". Mas o advogado travou-o.
A defesa alegaria que ele as levara a uma consulta. José António não esquece a "solidariedade" nem a sua "imensa" vontade de, lida a sentença, se dirigir aos jornalistas para qualificar aquele julgamento de "hipócrita" e perguntar: "Onde estão os do "não" quando as mulheres pedem ajuda?" O advogado tornou a travá-lo. Contestaria a condenação a 45 dias de prisão substituída por multa.
Os magistrados vincaram, no acórdão, a sua "sensibilidade", a forma como se envolvia na vida dos seus utentes. A defesa aproveitou a tese usada pelo procurador - existência de um conflito de deveres que exclui a ilicitude - para sustentar que o tribunal deveria atender às circunstâncias que motivaram a sua intervenção, "relevando o dramático conflito de deveres com que o mesmo se deparou na altura". Foi absolvido, como os outros quatro supostos cúmplices da enfermeira que recorreram.
"O aborto [a pedido] pode ser legalizado, mas a lei não vai alterar isso. Não se legalizam sentimentos". Já demoveu muitas mulheres. Aquelas não, aquelas "tinham esgotado todas as possibilidades - ou as ajudava ou iam meter agulhas em casa da vizinha". Quebra agora o silêncio. Não reclama apenas a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas. Reclama "educação sexual, planeamento familiar, condições para as pessoas terem outra atitude, viverem com dignidade". Reclama o fim do: "Precisa de fraldas? A colega da Segurança Social diz que não tem verbas, diz para a candidatar ao Rendimento Social de Inserção e a resposta demora. Precisa de infantário? Não há vaga. Precisa de uma casa digna? A câmara não faz desdobramentos. Precisa de um emprego? Vamos inscrevê-la [no centro de emprego] e aguardar.""
(Público, 18 Janeiro 2007)
A Polícia Judiciária (PJ) alugara uma casa em frente à da enfermeira, fotografara o entra-e-sai. A imagem de José António Pinto fora captada. Na agenda da enfermeira, o seu nome escrito na coluna dos que enviavam "clientes". E havia uma carta a agradecer "a colaboração prestada" e "as facilidades dadas". Admitiu. Mediante "situações dramáticas", de pessoas que vivem "no limiar da dignidade humana", procurara a via legal. Fora "à maternidade, aos hospitais". Até alguém comentar: "És ingénuo, fala com a Maria do Céu". E ele expôs-lhe gravidezes indesejadas de raparigas muito jovens e solteiras, de toxicodependentes, de profissionais do sexo...
A PJ perguntou-lhe se fazia parte de uma rede de aborto, se angariava mulheres, se recebia dinheiro. Não obtinha proventos, nem caçava grávidas. Algumas mulheres, cujos nomes apareciam associados ao seu, explicaram que depositavam nele "grande confiança". Tinham-lhe batido à porta "desesperadas" e ele levara-as à enfermeira e fora buscá-las.
Sabia que corria riscos. De um momento para outro, podia ser chantageado - "Nenhuma o fez. Nenhuma disse: "Vou dizer que o filho é seu, que me obrigou a abortar, que me levou dinheiro"". De um momento para outro, podia ler num jornal: "Junta de freguesia patrocina abortos". Quis proclamar em tribunal: "Sou pela vida, sou pela vida em abundância, com afectividade e com papa para as crianças se desenvolverem de forma equilibrada e harmoniosa!". Mas o advogado travou-o.
A defesa alegaria que ele as levara a uma consulta. José António não esquece a "solidariedade" nem a sua "imensa" vontade de, lida a sentença, se dirigir aos jornalistas para qualificar aquele julgamento de "hipócrita" e perguntar: "Onde estão os do "não" quando as mulheres pedem ajuda?" O advogado tornou a travá-lo. Contestaria a condenação a 45 dias de prisão substituída por multa.
Os magistrados vincaram, no acórdão, a sua "sensibilidade", a forma como se envolvia na vida dos seus utentes. A defesa aproveitou a tese usada pelo procurador - existência de um conflito de deveres que exclui a ilicitude - para sustentar que o tribunal deveria atender às circunstâncias que motivaram a sua intervenção, "relevando o dramático conflito de deveres com que o mesmo se deparou na altura". Foi absolvido, como os outros quatro supostos cúmplices da enfermeira que recorreram.
"O aborto [a pedido] pode ser legalizado, mas a lei não vai alterar isso. Não se legalizam sentimentos". Já demoveu muitas mulheres. Aquelas não, aquelas "tinham esgotado todas as possibilidades - ou as ajudava ou iam meter agulhas em casa da vizinha". Quebra agora o silêncio. Não reclama apenas a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas. Reclama "educação sexual, planeamento familiar, condições para as pessoas terem outra atitude, viverem com dignidade". Reclama o fim do: "Precisa de fraldas? A colega da Segurança Social diz que não tem verbas, diz para a candidatar ao Rendimento Social de Inserção e a resposta demora. Precisa de infantário? Não há vaga. Precisa de uma casa digna? A câmara não faz desdobramentos. Precisa de um emprego? Vamos inscrevê-la [no centro de emprego] e aguardar.""
(Público, 18 Janeiro 2007)
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