quinta-feira, maio 13, 2010

cortinas

"Escrevendo acerca de Nápoles, Walter Benjamin, que era alemão e portanto do Norte, disse que nas cidades do Sul «toda a atitude e todo o acto privado são submergidos pela onda do comunitário», precisando que nestas cidades «a casa abre-se para a rua com cadeiras, fogareiro e altar» e é «muito menos o abrigo em que se entra do que o inesgotável reservatório de onde se sai». (...) Em contrapartida, escreve Benjamim, nas cidades do Norte «existir é tudo o que há de mais privado».
No anúncio de uma empresa de telecomunicações que passa cansativamente nas televisões portuguesas, há pessoas muito contentes por terem em casa, a funcionar ao mesmo tempo, todos os seus neo-electrodomésticos (...). É um não acabar de ecrãs: televisão, computador, coisinhas pequeninas (...): a rua entra em casa livremente. (...) A cortina que, nas aldeias, ainda volta discretamente ao seu lugar depois de nós passarmos, estabelece uma relação mais «napolitana» com a rua que qualquer ecrã ligado 24 horas por dia. Faz da rua e da casa os dois lados de uma mesma vida".

(Do artigo de Paulo Varela Gomes, no Público de 8 de Maio. Na mesma página, precisamente à esquerda do artigo, uma coluna de texto dava conta das "janelas virtuais" que uma empresa se encontra a produzir e que permitem substituir a "desagradável" vista de prédios ou de estradas por um ecrã digital, que pode transmitir uma paisagem ou uma cena animada, à escolha do habitante da casa. Longe de supor que o seu artigo se iria encontrar, na versão impressa do jornal, tão oportunamente acompanhado, que diria Paulo Varela Gomes desta "cortina", desta nova forma de separar a rua da casa?).