sábado, junho 23, 2007

a vida dos outros (I)

"Um professor em comissão de serviços na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) foi alvo de um processo disciplinar por, alegadamente, ter injuriado o primeiro-ministro no decurso de uma conversa com um colega no seu gabinete de trabalho. (...)
O primeiro aspecto relevante consiste no facto de as injúrias não terem sido proferidas em nenhum documento de trabalho (carta, ofício, relatório, apontamento, etc.), nem em nenhuma reunião, encontro ou tarefa funcional, nem publicamente, mas sim no decurso de uma conversa particular num gabinete de trabalho com um colega do mesmo organismo. (...)
O segundo ponto relevante consiste na circunstância de a natureza alegadamente injuriosa da conversa consubstanciar, juridicamente, um (...) exercício abusivo da liberdade de expressão (...). Nenhum direito é absoluto, no sentido de poder ser exercido em termos de violar desnecessária ou desproporcionadamente outros direitos com igual dignidade jurídica (tal como a honra, previsto no artigo 26º da CPR) (...). E assim é que no seu artigo 37º, nº3, se diz expressamente que "as infracções cometidas no exercício destes direitos (de expressão e de informação) ficam submetidas aos princípios gerais do direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei".
Portanto, o direito disciplinar do funcionalismo público não pode ser usado para sancionar um funcionário, por, numa conversa privada, ter injuriado terceiros, incluindo o primeiro-ministro. Este poderá, se o quiser, reagir, como qualquer cidadão, no local próprio, ou seja, nos tribunais judiciais. (...) O que não tem é o direito de recusar a protecção do direito criminal e ao mesmo tempo aproveitar-se ou beneficiar do regime sancionatório especial do direito disciplinar.
Mais. O cidadão José Sócrates, enquanto primeiro-ministro, tinha o dever de impedir que uma zelosa subordinada sua (a directora da DREN) procedesse disciplinarmente contra um funcionário que alegadamente o ofendera numa conversa privada. Já que recusa a tutela penal, deveria igualmente recusar a disciplinar."
(António Marinho e Pinto, no Público de 21 de Junho)