portugal social
1. Em qualquer representação cartográfica dos resultados do referendo é clara a transição em favor do “sim” à medida que caminhamos de Norte para Sul do país. Esta transição torna-se ainda mais evidente quando se analisa a intensidade das tendências de voto por concelho, o que permite destacar os casos em que os resultados ultrapassam os 80% a favor da despenalização da IVG, nos termos colocados a plebiscito, e por oposição as situações em que o voto “não” é superior a 25%.
2. A cartografia destas tendências revela dois casos curiosos pelo seu significado: o concelho da Marinha Grande, bastião de esquerda em Leiria e cuja industrialização é indissociável de uma forte mobilização sindical; e o concelho de Ourém, a que pertence a capital lusa do catolicismo, Fátima, onde a pastorícia fez irromper o sobrenatural. Encontrando-se praticamente à mesma latitude, e espaçosamente rodeados por situações com resultados menos extremados, Marinha Grande é o concelho localizado mais a Norte com votação “sim” superior a 80%, e Ourém o concelho mais a Sul com votação “não” superior a 75%.
3. Sobre a importância da Ideologia e da Igreja neste referendo, os exemplos acabados de referir são simbolicamente eloquentes, contrariando todas as teses que defendem que a questão do aborto não é uma questão nem ideológica nem religiosa. Aliás, o retrato do país pós-referendo encarrega-se de o demonstrar com extrema nitidez, associando os concelhos com maior urbanização ao “sim” (ainda que menos extremado na sua expressão), e dividindo o mundo rural entre o “sim” a Sul e o “não” a Norte, num reflexo respectivo do peso da Ideologia e da Igreja.
4. Mas o retrato social que resulta de domingo passado vai muito para além da expressão das posições sobre a despenalização da IVG. Aliás, o que sempre esteve em causa neste referendo foi muito mais profundo do que a questão do aborto e da sua despenalização. A partir do momento em que o argumento da “inviolabilidade da vida humana” se tornou irremediavelmente ferido de contradição (face à aceitação, por parte da maioria dos opositores à despenalização, das excepções consagradas na Lei de 1984, e da sua concordância relativamente à não aplicação da pena de prisão), o que esteve verdadeiramente em causa passou a ser outra questão: a ilegitimidade do Estado para se arrogar do direito de invadir e devassar as vidas e consciências individuais, a mando de uma parte da sociedade que gostaria de impor, pela força do Código Penal, os seus valores morais, éticos e religiosos à sociedade no seu todo.
2. A cartografia destas tendências revela dois casos curiosos pelo seu significado: o concelho da Marinha Grande, bastião de esquerda em Leiria e cuja industrialização é indissociável de uma forte mobilização sindical; e o concelho de Ourém, a que pertence a capital lusa do catolicismo, Fátima, onde a pastorícia fez irromper o sobrenatural. Encontrando-se praticamente à mesma latitude, e espaçosamente rodeados por situações com resultados menos extremados, Marinha Grande é o concelho localizado mais a Norte com votação “sim” superior a 80%, e Ourém o concelho mais a Sul com votação “não” superior a 75%.
3. Sobre a importância da Ideologia e da Igreja neste referendo, os exemplos acabados de referir são simbolicamente eloquentes, contrariando todas as teses que defendem que a questão do aborto não é uma questão nem ideológica nem religiosa. Aliás, o retrato do país pós-referendo encarrega-se de o demonstrar com extrema nitidez, associando os concelhos com maior urbanização ao “sim” (ainda que menos extremado na sua expressão), e dividindo o mundo rural entre o “sim” a Sul e o “não” a Norte, num reflexo respectivo do peso da Ideologia e da Igreja.
4. Mas o retrato social que resulta de domingo passado vai muito para além da expressão das posições sobre a despenalização da IVG. Aliás, o que sempre esteve em causa neste referendo foi muito mais profundo do que a questão do aborto e da sua despenalização. A partir do momento em que o argumento da “inviolabilidade da vida humana” se tornou irremediavelmente ferido de contradição (face à aceitação, por parte da maioria dos opositores à despenalização, das excepções consagradas na Lei de 1984, e da sua concordância relativamente à não aplicação da pena de prisão), o que esteve verdadeiramente em causa passou a ser outra questão: a ilegitimidade do Estado para se arrogar do direito de invadir e devassar as vidas e consciências individuais, a mando de uma parte da sociedade que gostaria de impor, pela força do Código Penal, os seus valores morais, éticos e religiosos à sociedade no seu todo.
5. É por esta razão que a vitória do “sim” no domingo passado vai para além da despenalização do aborto nos termos colocados a referendo. É por esta razão que desde o último domingo Portugal conseguiu virar uma página medieval e com semblante teocrático da sua história, dando um passo civilizacional que só peca por tardio. Venceu a dignidade do respeito pela consciência individual, venceu o pluralismo, venceu uma democracia mais verdadeira, aberta e tolerante, que confere a cada pessoa o direito às suas convicções, valores e liberdade. E a luta continua.
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