quinta-feira, agosto 24, 2006

monólogo dialogante

A impossibilidade de não ouvir, na mesa em frente, o casal que estava a almoçar era exactamente igual à impossibilidade de não os ver. Dir-se-ia à partida que era um casal propriamente dito e, algum tempo mais tarde, que era um casal propriamente dito de amantes clandestinos. Um pouco depois já se poderia afiançar, contudo, que se tratava apenas de um casal de amigos, que se encontrara para almoçar e para permitir que ela desafogasse sobre ele, num extenso monólogo, as suas dúvidas, inquietações, interrogações, amores e ódios, em relação a uma terceira pessoa que era, perceber-se-ia entretanto, o ex-marido.
Foi bastante mais tarde que se ouviram as primeiras palavras dele, não mais do que uma curta frase, e nada de relevante como resposta para as questões e hipóteses que ela formulava. Porque as perguntas, dúvidas e reflexões interrogativas que ia colocando em cima da mesa iam sendo respondidas pela própria, sem haver sequer um gesto de concordância ou discordância por parte do seu interlocutor. Para pensar e se ouvir, bastava-lhe apenas falar com o confidente que se sentava, silencioso mas atento, do outro lado da mesa.