quarta-feira, agosto 13, 2003

moonlight post

Escreve com o olhar fixo na lua cheia que a janela do seu quarto alcança.
A aldeia conserva aquela paz nocturna que tão bem lhe conhece, feita de uma escuridão estival familiar, onde apenas se inscreve o sussurrar das cigarras e uma brisa tão imperceptível quanto agradável. Quase deseja neste momento caminhar até à rocha enorme que fica junto da capela, e que sempre lhe lembrou a abóbada granítica de uma misteriosa catedral subterrânea, extensa e côncava, de onde se pode olhar sem interferências o céu imenso de estrelas.
Não conseguiria viver aqui todos os dias. Nunca o conseguiu nem nunca o concebeu. Não se lembra sequer de soltar uma lágrima ou de uma saudade premonitória quando partiu. Deixou tudo como quem sabe que em certo sentido não parte, e como quem sabe que aqui não voltará para ficar, a menos que a vida a isso forçosamente obrigue. As memórias são mil e estão dentro de si, aflorando ao acaso, sem necessária lógica ou sequência, como se um qualquer anjo as tivesse retido e se divertisse agora a semeá-las no pensamento.