quarta-feira, julho 28, 2010

good bye antónio

A queda da cadeira, naquele dia de Agosto, parecia não comportar consequências graves. Só mais tarde, frustradas todas as esperanças clínicas, o presidente do conselho era destituído do cargo, sem que disso fosse informado. Seria o último a saber. Aliás, o único a não saber.
Tolhida a mobilidade, recebia os ministros nos seus aposentos, assinando despachos, ofícios e decretos contrafeitos, certamente elaborados nos termos do que se supunha ser a sua vontade. Na aparência, a autoridade permanecia intocada, sendo-lhe dispensadas por todos, como até então, temerosas vénias e viscosas reverências, agora com redobrada hipocrisia por parte de alguns.
Visto a partir daquele espaço fechado, o país continuava sob seu mando, seguindo os trâmites da normalidade do regime e tornando inimagináveis as continuidades e descontinuidades que a mudança trouxera. A encenação decorria entre quatro paredes, sem que o actor principal soubesse que também representava um papel - o mais genuíno de todos - e sem que o imenso público, do tamanho de uma nação, estivesse propriamente atento à sucessão dos actos.
A ilusão de que todas as suas ordens continuavam a ser cumpridas, alinhadas ou não com as que verdadeiramente contavam, tinha naquelas letras que se avistavam da janela a sua mais perfeita metáfora. A cortina cuidadosamente fixada entre a fechadura e a parede do lado direito ocultava três letras (DGS) na sigla do edifício em frente, permanecendo visíveis apenas as quatro letras que as antecediam. Nenhuma mudança portanto, nem sequer aparente. Afinal de contas, o que tinha acontecido não significava o mesmo que a queda de um muro. Tratava-se somente da queda de uma cadeira.