quarta-feira, outubro 24, 2007

se numa tarde de outono um matemático

Galardoado com o prémio Nobel, dissesse estar convencido que "dois mais dois são cinco" (não sustentando essa afirmação nos termos próprios de uma tese científica), provavelmente não receberia as mesmas reacções com que foi brindado James Watson, quando afirmou estar convicto que os brancos são mais inteligentes que os negros. Nem lhe seria provavelmente levantada a mesma suspeição de credibilidade para assim se justificar a razoabilidade de decisões como a da sua suspensão do centro de investigação onde trabalha, ou o cancelamento súbito de uma conferência.
A diferença das reacções, num e noutro caso, parece residir de facto na "questão social", cultural e de valores com que a afirmação de James Watson tem de lidar (e que não se coloca no caso do matemático convicto de que dois mais dois são cinco). É essa diferença que suscita, aliás - e isso parece-me bastante óbvio e incontornável -, a legitimidade para classificar algumas reacções como defesa do "politicamente correcto".
Mas o problema da credibilidade de Watson, invocado por Pedro Sales (a que cheguei por arrastão), encerra a meu ver dois equívocos. O primeiro é que não faz muito sentido falar da falta de credibilidade de Watson nos mesmos termos em que se fala do ciclista a quem foi retirada a camisola amarela por estar dopado, ou do jornalista que ficcionou reportagens sem sair do seu gabinete. Se no caso de Watson não consigo descortinar onde está a fraude, nos exemplos do ciclista e do jornalista a dita é óbvia (sendo a partir dela, aliás, que faz sentido falar-se em perda de credibilidade).
O segundo equívoco é o de se recorrer ao termo credibilidade (apropriado em ciência) e aplicá-lo em domínios onde o mesmo deixa de fazer, pelo menos, tanto ou o mesmo sentido. Ora, se Watson não fez da sua afirmação uma asserção científica (o próprio viria aliás confirmar não haver bases científicas para o que disse), é legítimo pensar-se que as suas afirmações se inscrevem no domínio da fé, da sua experiência, do senso comum ou, apenas, da sua convicção pessoal. E, nesses termos, faz tanto sentido acusá-lo de falta de credibilidade como dizer a alguém que deixa de ser uma pessoa credível pelo facto de estar convicto da aparição da senhora de Fátima, ou por achar que o sol anda todos os dias à volta da terra, já que assim o vê nascer e desaparecer no horizonte.
É por isso que a "punição" científica de que James Watson foi alvo é não só bastante descabida como - em certa medida - perigosa, já que se coloca mais no domínio da liberdade de expressão (que confere a cada um o direito de dizer os disparates que entender) do que no domínio da credibilidade científica. E atribui, na reacção às suas afirmações, um tom de heresia que não deixa de ser preocupante.
É claro que Watson pode ser interpelado em termos académicos, como se lhe pode contrapor que a viabilidade científica de um estudo sobre as diferenças de inteligência entre brancos e negros é basicamente a mesma que tem uma tese que considere "os asiáticos mais bonitos que os europeus". Por isso, no lugar do director do centro de investigação de James Watson, e ainda que estando ele no seu pleno e directoral direito para suspender o galardoado, eu antes optaria por lhe lançar o desafio de sujeitar as suas afirmações ao crivo da investigação científica. O homem há-de ter algumas competências, e saberá por isso conceber o respectivo projecto. Ou, se vier a reconhecer a impossibilidade de o levar a cabo, repensar as suas convicções.