se numa tarde de outono um matemático
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A diferença das reacções, num e noutro caso, parece residir de facto na "questão social", cultural e de valores com que a afirmação de James Watson tem de lidar (e que não se coloca no caso do matemático convicto de que dois mais dois são cinco). É essa diferença que suscita, aliás - e isso parece-me bastante óbvio e incontornável -, a legitimidade para classificar algumas reacções como defesa do "politicamente correcto".
Mas o problema da credibilidade de Watson, invocado por Pedro Sales (a que cheguei por arrastão), encerra a meu ver dois equívocos. O primeiro é que não faz muito sentido falar da falta de credibilidade de Watson nos mesmos termos em que se fala do ciclista a quem foi retirada a camisola amarela por estar dopado, ou do jornalista que ficcionou reportagens sem sair do seu gabinete. Se no caso de Watson não consigo descortinar onde está a fraude, nos exemplos do ciclista e do jornalista a dita é óbvia (sendo a partir dela, aliás, que faz sentido falar-se em perda de credibilidade).
O segundo equívoco é o de se recorrer ao termo credibilidade (apropriado em ciência) e aplicá-lo em domínios onde o mesmo deixa de fazer, pelo menos, tanto ou o mesmo sentido. Ora, se Watson não fez da sua afirmação uma asserção científica (o próprio viria aliás confirmar não haver bases científicas para o que disse), é legítimo pensar-se que as suas afirmações se inscrevem no domínio da fé, da sua experiência, do senso comum ou, apenas, da sua convicção pessoal. E, nesses termos, faz tanto sentido acusá-lo de falta de credibilidade como dizer a alguém que deixa de ser uma pessoa credível pelo facto de estar convicto da aparição da senhora de Fátima, ou por achar que o sol anda todos os dias à volta da terra, já que assim o vê nascer e desaparecer no horizonte.
É por isso que a "punição" científica de que James Watson foi alvo é não só bastante descabida como - em certa medida - perigosa, já que se coloca mais no domínio da liberdade de expressão (que confere a cada um o direito de dizer os disparates que entender) do que no domínio da credibilidade científica. E atribui, na reacção às suas afirmações, um tom de heresia que não deixa de ser preocupante.
É claro que Watson pode ser interpelado em termos académicos, como se lhe pode contrapor que a viabilidade científica de um estudo sobre as diferenças de inteligência entre brancos e negros é basicamente a mesma que tem uma tese que considere "os asiáticos mais bonitos que os europeus". Por isso, no lugar do director do centro de investigação de James Watson, e ainda que estando ele no seu pleno e directoral direito para suspender o galardoado, eu antes optaria por lhe lançar o desafio de sujeitar as suas afirmações ao crivo da investigação científica. O homem há-de ter algumas competências, e saberá por isso conceber o respectivo projecto. Ou, se vier a reconhecer a impossibilidade de o levar a cabo, repensar as suas convicções.
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