pale goldenrod
Olhou o livro exposto na vitrine e reparou que a sua cor era a cor exacta. A cor certa para condizer com o título, com a escrita e com a muito provável intenção do autor (se às intenções dos autores se podem atribuir cores). O senso-comum cromático dizia-lhe de imediato (o senso comum cromático é, por natureza, imediato) tratar-se de um beje. De uma espécie de beje, meio pálido, depurado. Como se também pela cor se quisesse situar o tempo e colorir com tons precisos a personagem a que o livro se dedicava, já em segunda edição. Depurar o tempo, justificar um tempo. Com a reconhecida honestidade intelectual do autor (ou chamemos-lhe, sem desprimor, habilidade factual), era previsível que a escrita contivesse os requeridos rigores históricos, mesmo que selectivos, devidamente amadurecidos e aturados (porque os rigores históricos são, por natureza, amadurecidos e aturados). Mais tarde viria a saber que o nome técnico correspondia muito provavelmente a um "pale goldenrod", ouro pálido. E pareceu-lhe então nesse momento ser a cor ainda mais certeira, agora que relia o título (...antónio de oliveira salazar, o outro retrato...), imaginava o seu conteúdo e descortinava as prováveis intenções do autor. Era a cor certa para a forma seguramente ardilosa, mas nessa medida sabedora, com que se retrataria, no livro exposto na vitrine, um bom filho da puta (chamemos-lhe assim, um bom filho da puta).
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