terça-feira, fevereiro 10, 2009

agrafo

"O agrafo é aquilo que se usa quando se quer juntar várias folhas de tal forma que fiquem seguras, mas legíveis. Geralmente, é de metal (aço, níquel, cobre), mas nada, para além das evidentes razões de utilização, impede que seja de outro material qualquer. Por essas mesmas razões, o agrafo tem que ser pequenoAs folhas agrupadas podem, cada uma delas, ter que ver com alguma coisa, ou não. Podem, todas elas, ter que ver com a mesma coisa, ou não. O conteúdo das folhas é irrelevante: pode mesmo não existir. O agrafo está-se nas tintas. Está lá para as segurar para que, por alguma razão que ele próprio desconhece, não se percam umas das outrasNo entanto, e embora legíveis e seguras, as folhas continuam a ser fáceis de desagrupar, se tal for o pretendido. O preço a pagar são apenas danos menores, mas incontornáveis, porque o agrafo, apesar do seu tamanho, não tem sentimentos de viagem, daqueles pequeninos para caberem na mala: o agrafo não tem sentimentosO agrafo não revela e não faz juízos de valor e, portanto, é de confiança. Um relatório, um talão de garantia ao qual apenas um recibo dá sentido ou um dedo com o azar de pertencer a uma mão descuidada, para o agrafo é tudo igualmente sigiloso e dependente de quem esteja para se responsabilizar. O agrafo não se impressiona com sangueO agrafo é anónimo. Vem colado a outros, dentro de uma caixa insignificante, cheia com mais e mais agrafos, todos iguais a ele. Ninguém se lembra dele enquanto indivíduo único, autónomo e com uma identidade própria, mas esta indiferença não é uma injustiça porque o agrafo não é um indivíduo único, autónomo e com uma identidade própriaO agrafo não desafia a consciência. É descartável, tão pequeno e insignificante que ninguém se lembra que polui, embora seja difícil de biodegradar. Por isso, deita-se fora em qualquer sítio sem culpa. O agrafo, como sempre, não se rala, porque, embora não o saiba, ser indispensável mas estar condenado é aquilo para que nasceuO agrafo não sabe nada, mas, ainda que soubesse, continuaria a não fazer ideia da sorte que tem"

(No sexto aniversário do Agrafo)