quarta-feira, novembro 26, 2008

a cisão e o cisma

Concordo com praticamente tudo o que é dito aqui, pelo Daniel, sobre a cisão entre o Bloco de Esquerda e o Vereador Sá Fernandes. As questões essenciais para avaliar este processo, que tem início com o Acordo de Lisboa, são a meu ver três: a) o grau de cumprimento do próprio acordo; b) o modo como foi mutuamente gerida a relação entre o partido e o vereador eleito ao longo do mandato e, por último; c) o significado e impacto de episódios específicos em que o vereador Sá Fernandes se viu envolvido (ou se quis envolver).
Uma discussão que misture estas três questões numa só converte-se facilmente num equívoco. Como é desinteressante discutir o assunto sem dar como assentes duas ordens de legitimidade. A de um partido em retirar (ou em não renovar) o apoio a um candidato independente, por um lado, e a de um vereador independente assumir um estatuto de autonomia relativa face ao partido que lhe concedeu apoio, por outro.
Não conhecendo em detalhe os termos iniciais e o grau de cumprimento do acordo estabelecido entre o BE/Sá Fernandes e o PS/António Costa, dou por consensual o balanço feito pelo Daniel. Perante o qual dificilmente se pode dizer que a relação quebra por incumprimento de compromissos estabelecidos, não sendo por isso razoável considerar que a raiz da cisão passa por aqui.
Sabe-se que a decisão de estabelecer um acordo pós-eleitoral com o PS para a Câmara de Lisboa não foi consensual em alguns sectores e estruturas do Bloco de Esquerda. Essa discordância, desde o início, foi alimentando uma postura em que sobrou a desconfiança permanente e escasseou o apoio. Ainda Sá Fernandes não tinha cometido nenhum disparate e já as baterias lhe estavam apontadas. É certo que Sá Fernandes também não procurou estabelecer um contacto regular com o Bloco de Esquerda, autonomizando-se e ignorando-o progressivamente. Como é certo que se foi tornando cada vez mais difícil encontrar maneira de o defender. Mas uma noção de responsabilidades partilhadas na má gestão do processo deveria constituir o saldo correcto, pelo que, nesse sentido, a cisão deveria recair sobre ambas as partes.
Quanto aos episódios bizarros que envolveram Sá Fernandes, dos quais destacaria o caso da Praça das Flores e a inexplicada solidariedade com a vereadora Ana Sara Brito, importa perguntar se justificam a quebra do apoio ao vereador. Não custa admitir que sim, que constituem questões suficientemente fortes (mesmo que pontuais) para uma demarcação do BE, dado o carácter insólito, inesperado e contrário à matriz de valores que é suposto unirem partido e vereador. Mas as razões de fundo invocadas também não andaram por aqui.
O fundamento da cisão poderia pois centrar-se no reconhecimento das dificuldades em estabelecer uma relação construtiva entre o partido e o vereador (o que implicaria aceitar, porém, as responsabilidades mútuas no processo, desde o seu início). A que poderia somar-se a necessidade sentida pelo BE em se demarcar das opções de Sá Fernandes nos episódios estranhos em que se envolveu. Mas não sendo estes os argumentos de fundo, e conhecendo-se o processo como se conhece, é impossível deixar de questionar em que medida esta experiência governativa não revela a relação psicológica e alérgica do Bloco com o poder, bem como a dificuldade em lidar com o risco de mácula que pode vir do seu exercício. E essas serão já muito mais questões de cisma do que questões de cisão.